– Cadê meu estilete?
Surpreendidos com a questão? Saberão qual o seu significado? Para o caso de não saberem, vou analisá-la brevemente:
cadê
Trata-se de uma expressão interrogativa, de uso coloquial, bastante usada no Brasil, que significa “onde está?”.
meu
Não deve haver dúvidas. Podemos observar a ausência do artigo definido antes do determinante possessivo, “o meu”. Esta construção, sem o artigo, é característica da variedade brasileira do português.
estilete
É o utensílio com lâmina móvel e afiada, protegido por invólucro de plástico, usado para cortar papel e afins. Em português de Portugal, o x-ato.
Reformulando a questão, agora em português de Portugal, teríamos:
– Onde está o meu x-ato?
– Fantástico, não? Ou será hilário, né?
Em vez do estilete, um brasileiro podia andar à procura de um grampeador, ou seja, de um agrafador.
Ao entrares num elevador, costumas carregar no botão do piso para onde pretendes ir. Ora, se nós carregamos no botão, os brasileiros apertam-no . Em Portugal, há quem tenha um atendedor de chamadas, no Brasil preferem uma secretária eletrônica. E se nós vamos ao quarto de banho, ou à casa de banho, os brasileiros vão ao banheiro. Uma vez por outra, nós apanhamos uma constipação, eles pegam um resfriado. Dá muito jeito ter pensos rápidos na carteira, ou, como diriam os nossos irmãos, band-aids na bolsa. Já provaste sumo de dióspiro? No Brasil, só se prova suco de caqui. E, já agora, se quiseres um gelado em terras brasileiras, o melhor é pedires um sorvete. Já quando mastigas uma chiclete, o verbo brasileiro de eleição é mascar. Ah! E não é uma chiclete, mas sim um chiclete. Uma outra grande diferença: o que para nós é um bom rebuçado, para eles é uma boa bala. No fundo, são mexericos da língua, que é como quem diz fofocas…
As diferenças lexicais entre o português do Brasil e o português de Portugal são muitas e podem ser comparadas, por exemplo, com as diferenças existentes entre o inglês americano e o britânico. Acrescente-se ainda que as divergências não se verificam apenas no léxico, existindo também diferenças fonológicas e sintáticas.
Em torno da língua portuguesa, constituíram-se variedades linguísticas desse mesmo idioma: as variedades portuguesa, brasileira, africana e asiática da língua. Se o português é falado, possivelmente, por mais de 250 milhões de falantes em todo o mundo, não serão essas diferenças plausíveis? Será que um vocabulário diferenciado não vem enriquecer o grande património que é a língua portuguesa? A todas estas questões, atrevo-me a responder: sim! Diversos fatores, de ordem geográfica, social, situacional e histórica, conduziram à diversidade da língua, o que a torna ainda mais rica.
É maravilhoso observar quanto somos diferentes e quanto somos iguais! A língua não é de ninguém, nem pertence a ninguém em especial, é de todos e para todos. Respeitemos as diferenças e convivamos com elas.
Na próxima crónica do Afiar a Língua, daqui a 15 dias, lançamos um desafio: tens alguma dúvida em particular que gostarias de ver esclarecida neste espaço? Envia-nos as tuas sugestões para gerador@gerador.eu, com “Afiar a Língua” no assunto do email, e assim continuaremos a afiá-la!