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As coisas que as mulheres explicam

Nas Gargantas Soltas de hoje, a propósito do dia 8 de março, Leonor Rosas reflete sobre a valorização do conhecimento produzido por mulheres, sobre o preconceito que ainda recai sobre o mesmo e sobre a posição das mulheres na academia.

Opinião de Leonor Rosas

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Rebecca Solnit, no livro Men Explain Things to Me (2014), descreve uma série de histórias tragicamente caricatas - e, tristemente, familiares a todas nós - de homens que se propõem a explicar-lhe tudo, inclusivamente o tema de um dos seus livros. Se o tom cómico nos deixa com um sorriso, ao ler a descrição deste absurdo mansplaining, a verdade é que nos rimos dele porque o conhecemos bem demais: todos os dias familiares, colegas, amigos e desconhecidos se oferecem “simpaticamente” para nos explicar como funciona o nosso mundo, até mesmo os temas que estudamos. Neste mês das mulheres, este artigo procurará tratar brevemente a persistentemente problemática relação entre as mulheres e o conhecimento. Qual é o nosso lugar no ensino e  produção do conhecimento? Onde estamos nos currículos escolares? O que podemos fazer para mudar este paradigma?

Comecemos com alguns dados simples sobre as mulheres no Ensino Superior em Portugal. Dados de 2020 indicam que entre os 31 presidentes ou reitores das universidades e politécnicos portugueses, apenas cinco seriam mulheres. No que toca aos corpos docentes, os dados podem ser enganadores: se existe uma relativa paridade entre homens e mulheres na base da carreira — em 2018, 55% dos docentes eram do sexo masculino e 45% do feminino —, esta esgota-se à medida que se sobe na carreira. No topo da mesma, a situação é bem diferente: apenas uma em cada quatro professores catedráticos (25%) é do sexo feminino. Partimos de uma posição de desigualdade no sistema de ensino e produção do conhecimento. A estes dados tão concretos, juntam-se as dificuldades com a dupla e tripla jornada de trabalho que recaem sistematicamente sobre as mulheres, obrigando-as a escolher entre a maternidade e a excelência académica e perpetuando uma divisão patriarcal do trabalho doméstico. A tudo isto, somamos ainda outras componentes mais dificilmente quantificáveis em dados estatítiscos tão simples: o preconceito estrutural com a qualidade do trabalho das mulheres, a importunação e violência sexual nos espaços que deveriam ser de fruição intelectual ou os famosos mansplaining e maninterrupting

Olhemos, então, brevemente, para os currículos académicos com os quais nos deparamos mal entramos no Ensino Superior. Quem são os fundadores das ciências sociais? Weber, Durkheim e Marx: três homens brancos europeus. Quem são os filósofos que estruturam o nosso pensamento? Aristóteles, Platão, Tomás de Aquino, Hume, Locke, Stuart Mill: sempre homens brancos. Quem são os grandes cientistas que aparecem nos nossos manuais? Einstein, Galileu ou Darwin? Uma vez mais, o mesmo. Talvez Marie Curie e Simone de Beauvoir possam ser das poucas exceções com as quais nos deparamos ao longo dos nossos percursos académicos. O nosso conhecimento é persistentemente masculino e branco, patriarcal e colonial. Epistemologicamente, continuamos a reproduzir uma mensagem óbvia: os saberes das mulheres, das pessoas racializadas e do Sul global não merecem ser colocados no mesmo patamar que os supracitados. 

Dados da UNESCO dizem-nos que, mundialmente, apenas 30% dos cientistas são mulheres. O caminho ainda é longo e as mudanças de que precisamos são necessariamente estruturais. Não obstante, há pequenas coisas que todas e todos podemos fazer para contribuir para uma mudança de paradigma. Neste mês de março, termino este artigo com algumas sugestões para valorizar a produção intelectual das mulheres. Na ficção e na ciência, escolham ler mulheres e procurem citá-las nos vossos trabalhos. Não assumam que um autor é um homem quando apenas lêem um apelido. Não interrompam mulheres, não lhes expliquem o que elas já sabem e respeitem o seu trabalho.

-Sobre Leonor Rosas-

Estudou Ciência Política e Relações Internacionais na NOVA-FCSH. Está a fazer um mestrado em Antropologia sobre colonialismo, memória e espaço público na FCSH. É deputada na AM de Lisboa pelo Bloco de Esquerda. Ativista estudantil e feminista.

Texto de Leonor Rosas
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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