A Cabidela
Perdeu-se lá muito para trás, nos séculos passados, a origem desta receita. Tudo indica que os árabes já a faziam, juntando sangue a um guisado feito com os “miúdos” das aves domésticas. E chamavam-lhe “quebdia”, da sua palavra que designava “fígado”.
A verdade é que os portugueses a exportaram para todos os países que visitaram na época das Descobertas. Em Cabo Verde, Angola, Moçambique, Brasil (galinha com molho pardo) e até em Goa, onde o “sarapatel” também utiliza o sangue da galinha.
Aqui no nosso burgo manda a tradição que se considere esta receita um prato típico do Minho. Provavelmente por causa do vinho verde que se utiliza para “avinagrar”, ou então por analogia de preparação com o arroz de lampreia.
Recordo que nos tempos da intolerância asinina (ou melhor, Asaenina) houve um início de proibição da confeção em restaurantes desta iguaria, por causa do sangue . Imperou contudo o bom senso. Não é preciso andar de machada em punho atrás do galináceo para fazer cabidela em nossas casas. Os matadouros industriais certificados para isso matam a ave e vendem o sangue em saquinhos. Tudo legal. E higiénico.
Fundamental nesta receita é a qualidade do bicho. Tem de ser rijo para aguentar o guisado. E saboroso obviamente. Quem tem ainda quintais com criação de aves “pica no chão” está melhor servido (à parte a questão da “caça ao bico”). Quem não tem, sirva-se no supermercado de uma boa marca de frango do campo. Ou de galinha no mercado de Cascais. Das que chegam lá vivas…
Precisamos de galinha cortada aos pedaços, com sangue da mesma, azeite, presunto gordo ou toucinho magro, também cortadinhos em tiras finas, 2 cebolas, salsa e louro. Mais uns alhos. Tudo isto refoga com uma mão de sal grosso até a cebola estar transparente. Temperem com pimenta preta de moinho.
Depois introduz-se a galinha e deixa-se alourar.
À parte miscigenamos numa tigela o vinho verde com o sangue e uns toques de vinagre de vinho.
Introduz-se o arroz carolino no tacho onde está o frango e deixamos também ele fritar por um ou dois minutos. Logo em seguida deitamos água quente na proporção de 3 chávenas de água para uma de arroz. Levantamos o lume , que esteve brando durante a “puxadinha”, e deixamos a cozer. Estando a galinha quase cozida (vê-se pelo arroz a acamar) deita-se o vinho mexido com o sangue e o vinagre , mexemos, e fervemos mais uns minutos.
Tem de ir para a mesa imediatamente. Decorem com salsa picada.
É este um dos tais pratos que deve ser bebido com o vinho da sua confeção. Mas se não apreciarem o tinto vinhão tradicional do Alto Minho dou aqui uma alternativa de grande qualidade, feita na mesma região: Soalheiro “Oppaco” de 2015, com uvas da casta vinhão (tinha que ser) mas também com uvas brancas de Alvarinho. Muito bom!
Manuel Luar