Como sabem gosto de bons restaurantes. Estarei assim a entrar (ou a sair) da “segunda idade do homem”, de acordo com a historieta que todos conhecem.
Nesta série de “comer fora de casa” a ideia era discorrer sobre refeições ou petiscos saboreados debaixo do teto universal (o céu) sem que por cima das cabeças dos “manducantes” estivesse obra de pedreiro ou de arquiteto.
Mas hoje dei a volta ao texto e venho falar de um local onde se come (ou comia) com teto por cima das cabeças, embora não tenha sido construído por mestre-de-obra, pedreiro ou engenheiro civil. Mas sim por engenheiro de máquinas (ou coisa parecida). E que me parece ser desconhecido da grande maioria da população portuguesa, para já não falar do esquecimento por parte da crítica especializada.
Para se encontrar o dito restaurante deveremos ser possuidores de um bilhete de comboio para Paris ou Madrid.
Ali já instalados a ver passar a paisagem será mister dirigirmo-nos, cambaleando, até à carruagem-restaurante do “Sud-Express” (no caso do destino ser Paris) ou do” Lusitânia comboio hotel” (no segundo caso), após a sineta que anunciava a pronta disponibilidade das mesas.
Já me esquecia que para ter acesso a estas mordomias das carruagens-restaurante faz ainda falta uma máquina do tempo, porque em 2013 - por motivos económicos – a CP encerrou as ditas e a comidinha passou a ser partilhada ao balcão. Tipo snack-bar…
Foram 125 anos de bons (tinha dias, mas enfim) e leais serviços que se perderam na voragem do economicismo. Longe vão os tempos (quando o Sud Expresso foi inaugurado, em 1887) em que as refeições a bordo eram servidas em talheres de prata e os passageiros – uma aristocracia endinheirada que viajava em luxuosas carruagens-cama – elogiavam a qualidade dos vinhos e da comida servida no restaurante.
Viajei poucas vezes nestes comboios de longo curso onde se dormia e comia. Mas recordo-me de uma deslocação a Madrid que ficou memorável, tinha eu menos 35 anos do que tenho hoje, lá para os idos de 80 do século passado.
O percurso já em si era uma aventura agradável, enfileirando com outros passageiros que igualmente pretendiam jantar na dita carruagem e espreitando sorrateiramente para os compartimentos fechados, à espera de descobrir algum romance proibido com pessoas conhecidas (sim, era esta uma das escapatórias para os casos amorosos ilegais) ou ainda tentando num assumo de romantismo vislumbrar o grande Hercule Poirot às voltas com o seu impecável guardanapo branco, a investigar algum dos seus mistérios.
Mas a viagem em causa ficou memorável por um motivo pior. Eu estava com um grande designer português, que (vim depois a saber) tinha horror a viajar acompanhado por desconhecidos.
Desta forma, e como tinha dinheiro, sem me dizer nada comprou os 2 bilhetes do compartimento que sobravam depois de nós os dois nos sentarmos.
Imaginava eu que estávamos com uma sorte “do caraças” por estarmos sozinhos, quando o comboio nunca mais partia à espera dos dois passageiros que faltavam…
Para explicar tudo foi um burburinho e uma confusão das antigas. Nem queiram saber o que ouvimos.
Naquela altura estava incluída no preço da viagem uma “senhora refeição” que tinha Aperitivo e Digestivo (moscatel, Porto e aguardente velha), acrescentava o “couvert” com o pão regional, o “creme bela fazendeira”, o “lombo de porco no forno à transmontana com arroz de passas”, o “toucinho do céu de Murça” e a “salada de frutas au Porto”, sem esquecer o acompanhamento líquido dado pelo vinho maduro branco Porca de Murça e o vinho maduro tinto Barão de Figueira .
Tenho uma memória de elefante? Não! Guardei o “Menu” dessa viagem, como aliás faço com muitas destas recordações gastronómicas.
A qualidade da refeição foi mazinha…
Mas disso não deve rezar a história. Dos “mortos” só se pode dizer bem.
E em qualidade versus preço não tinha rival esta alternativa daquele tempo ao avião e ao almoço no Zalacain - grande morada “navarra” de Madrid que depois de encerrado largo tempo parece que reabriu com nova gerência e melhoramentos.