O país político tem andado ao rubro – da mesma cor do partido que o tem causado. Afinal, deixaram de ser as novelas brasileiras as mais arrebatadoras, as que suscitam uma maior envolvência emocional. Mais do que esses projetos temos hoje uma superentidade capaz de reunir suspense atrás de suspense incorporando o perfeito espírito do risco e da incerteza que Ulrich Beck anunciava enquanto característica das sociedades modernas. O governo português é, pois, à data de hoje, uma constante fábrica de efémeras personalidades, cada uma desconhecedora de factos para si inconvenientes.
Porém, toda a gente sabe do peso dos acontecimentos e ninguém quer tanta mudança abrupta. Os estudantes não a pretendem, nem os trabalhadores, nem os pensionistas e reformados, nem os jornalistas e os comentadores, nem os artistas. Nenhuma pessoa deseja a inconstância expressiva da falta de sensibilidade e de rumo. Uma queda de mais de uma dezena de governantes motivada por um conjunto de escândalos assentes na falta de confiança e de transparência, em cerca de nove meses, demonstra uma falta de maturidade na seleção dos membros do executivo. E, em paralelo com o paradoxo da tolerância popperiano, gera um paradoxo da prática democrática, dado que, ao existirem circuitos de entradas e saídas demasiado transitórias dentro do governo, é ironicamente minado o normal funcionamento da democracia a partir do seu próprio exercício interno.
Portugal é conhecido pela sua pacificidade social. Ora, como o jornalista da SIC Daniel Oliveira indica, um conforto financeiro na sociedade tem implicações diretas na estabilidade sociopolítica, dado que os bons resultados económicos favorecem melhores perceções por parte dos cidadãos acerca da atuação das instituições públicas. Por isso, o inverso também decorre: com uma inflação permanentemente elevada, o que poderia funcionar como almofada para confortar os portugueses pela sua credibilidade deveria ser nada mais nada menos do que o governo; porém, este domínio encontra-se fora de controlo, o que nos leva a refletir e a interrogar sobre como poderão as pessoas, em última instância, ter confiança de que as lógicas e as regras dos mecanismos democráticos estão a operar como devido, nomeadamente para um partido que está bem implantado nas presidências de entidades públicas.
É do conhecimento geral que muito do que tem acontecido no aparelho socialista se deve às lutas pela sucessão do seu líder. Tal significa que a sua capacidade de liderança se esvaziou em sentido duplo: por um lado, porque não consegue exercer um controlo eficaz nas ânsias daqueles que querem um futuro à frente do partido mais votado em Portugal neste momento; por outro, por muitos já estarem a pensar na saída do dirigente e não no que ele ainda pode trazer de benéfico ao país.
Estes vazios de poder redundam em ausências de pensamento e ação estratégicos. Podemos colocar questões como “será possível que nestes últimos dois meses António Costa tenha pensado em aplicações relevantes dos fundos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR)?” Lembrar-nos-emos de que duas das metas deste executivo consistiam nas transições digital e climática. Em que ponto do caminho ficaram esses desígnios? Que idoneidade reúnem os atuais governantes para conseguir completar estes objetivos?
A perda de orientação e de firmeza política promovem um abuso de autoridade e, pior ainda, uma proliferação de forças extremistas opositoras. Sem nos apercebermos, a partir de cada caso ministerial do qual os comentadores se apoderam, elas tornam-se tentaculares, infiltrando-se em sistemas que temos tomados por seguros e confiáveis e prometendo falaciosas soluções rápidas para problemas complexos. Entretanto, os professores continuam em greve por tempo indeterminado, a Comboios de Portugal (CP) aproveita-se do seu monopólio para continuar a prestar um serviço deficitário e os jovens continuam com elevadas taxas de emprego precário e de falta de acesso à habitação. Nenhum problema estrutural é resolvido e outros se criam, enquanto as pessoas que os podem resolver fogem. O nosso país tem sido uma nação de evasões: através da fuga de cérebros (pessoal altamente qualificado), pela qualidade oferecida ao estrangeiro, ou através da fuga do governo, pelo demérito e incapacidade de serem incorruptíveis.
Têm sido longos e árduos dias para o Partido Socialista (PS), que agora deverá escolher entre continuar com a postura petulante sem autocrítica ou adotar uma nova forma de perceber os erros como instrumentos de progresso institucional. Todavia, que esta indecisão e carência de qualidade pública sejam apenas um caráter temporário de uma realidade que, já de si, é desafiante no quotidiano.
Por isso, mais quatro anos de tudo isto? Não, claro que não. Prefiro demitir-me de acreditar neste governo.