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Cavalo de Troia: O Rei vai nu

*Esta é uma crónica da Teresa Carvalheira, inicialmente publicada na Revista Gerador 36. Uma pequena pesquisa, num…

Texto de Redação

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*Esta é uma crónica da Teresa Carvalheira, inicialmente publicada na Revista Gerador 36.

Uma pequena pesquisa, num qualquer motor de busca, sobre ecoansiedade, revela que um dos principais artigos sobre o tema, está no website internacional da Iberdrola e inclui conselhos de como ultrapassar os seus sintomas: adotando comportamentos verdes.

A Iberdrola é uma das maiores empresas espanholas, com presença em Portugal, que atua na distribuição de gás natural e produção e abastecimento de energia elétrica e é considerada líder mundial no setor energético, principalmente no que diz respeito à energia eólica. Entre as várias dicas estão sugestões como procurar mais informação sobre o «inimigo» crise climática; consumir melhor e reciclar; evitar deixar a torneira aberta e não atirar lixo para o chão. Nenhuma menciona redução do consumo energético a um nível doméstico ou empresarial. Principalmente porque mesmo o foco estando no indivíduo, não são mencionados aspetos de eficiência energética dos edifícios e que reduziriam significativamente o consumo de energia. E quando empresas fornecedoras de soluções energéticas se dirigem ao consumidor quanto à poupança energética, referem-se essencialmente à fatura no final do mês, e em comparação com a competição de mercado. Estou só a partilhar o óbvio: distribuidores de energia querem distribuir! Não vão aconselhar o consumidor a consumir menos energia, não é?

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(red flag alert – é um conjunto de emojis usado nas redes sociais para alertar para potenciais problemáticas)

A linguagem usada em torno da sustentabilidade já é uma gíria comum – que muitos de nós já temos contacto –, mas muito própria e restrita. Assenta essencialmente num discurso linear marca-consumidor e traduz-se em projeções futuras, promessas ou análises de competição e pouco no presente, factos ou avaliações de impacto.

Tais promessas ganham espaço de destaque nos media. E as marcas tentam agora distinguir os seus produtos quanto ao impacto que os mesmos têm no ambiente. O consumidor, cansado de tanta (des)informação, contenta-se com os chavões e a «ler só as letras gordas», abrigando-se na atenuação do sentimento de culpa através de melhores escolhas de consumo.

É importante aceitar que qualquer produto tem um impacto, porque pressupõe consumo de energia na sua produção e/ou extração de recursos. Qualquer tentativa de demonstrar o contrário – produtos com 0 % pegada ecológica – será quase garantidamente uma tentativa de greenwashing – anglicismo no domínio do marketing e publicidade de enaltecer certas características de impacto ambiental de um produto – pouco comprováveis – de forma a impulsionar o ato de compra (e «livre de culpa»).

Responsabilidades diluem-se.

Vestindo-se de líderes no combate às alterações climáticas, os países mais desmaterializados (norte global) – em crescimento económico mas com decrescente uso de recursos e matérias-primas na produção – têm um consumo energético muito elevado e importam e consomem grande quantidade de bens de países em desenvolvimento.

Parece então importante questionar o desejo da indústria global, de melhorar as condições de produção: mais eficiência significa mais por menos (tempo, recursos, custo). Achamos mesmo que vamos reduzir as emissões só com avanços tecnológicos mas sem reduzir o volume de produção?

Crescimento verde é um mito e revela a resistência do mercado à redução da produção. Aceitaremos finalmente que o sistema económico que habitamos não está preparado para gerar menos? Depois de muita reflexão, confesso que só consigo imaginar que a única coisa verde com consciência de que se crescer, perde toda a pureza, é o Peter Pan.

A linguagem verde dos mercados centra-se em comportamentos, logo individualização do consumidor, desvinculando-se da mobilização coletiva. E o consumo dito sustentável pode criar uma espécie de competição de lifestyle, muito pouco saudável a vários níveis.

Não estamos sozinhos.

A ecoansiedade é um termo recente usado para descrever desordens psicológicas que se relacionam com a crise climática planetária. Normalmente manifesta-se num sentimento de culpa e impotência quanto ao problema. E, infelizmente, para cada vez mais indivíduos, fala-se mais em «solastalgia» – do inglês solace (consolo) e «nostalgia» – que define a ansiedade em indivíduos ou populações diretamente afetadas por mudanças climáticas e desastres naturais.

Mas nem todos têm acesso.

Ainda que eficaz na ação individualizada, o aumento de impostos sobre produtos cria inevitavelmente novos mercados. O mercado dos sacos de plástico continua a valorizar. Novos materiais são mais caros, pois são produzidos a uma pequena escala e provavelmente perpetuam o paradigma extrativista em países em desenvolvimento, ainda que sejam de base biológica. A agricultura orgânica é certificada, tornando-a mais cara. A resposta do mercado recai sempre nos substituíveis, porque é apenas natural que o capitalismo, ainda que verde, se guie pelas tendências do consumo individual. A valorização económica dos materiais assenta na mesma lógica antropocêntrica de criar valor para preservar algo. Mas a natureza tem valor intrínseco e é inacreditável que, por esta altura, o mesmo ainda se discuta em cifras.

Precisamos melhores medidas de transição!

Já todos vimos aqueles sacos de plástico que se autodeclaram amigos do ambiente. Ou embalagens que nos pedem diretamente para ser recicladas? Estas são apenas algumas das estratégias em que as empresas se «lavam» da responsabilidade através dos produtos, transferindo-a para o consumidor que efetivamente comprou o produto.

As novas roupagens do poder capital até fazem sentido se imaginarmos este crescimento verde num tom de verde Sininho, um verde de contos de fadas. Vou chamar, a este espetro de tons verdes, Peter Pantone, porque, ao fim ao cabo, são cores que se esforçam muito para contrariar o inevitável – que com este sistema é impossível parar de crescer.

-Sobre a Teresa Carvalheira-

Alentejana, mas inquieta, designer e upcycler, é community manager em Portugal do movimento internacional Fashion Revolution e produtora da série documental sobre sustentabilidade «É Pra Amanhã». Organiza, desde 2015, mercados de troca de roupas e está ligada à gestão de projetos transdisciplinares relacionados com inovação social e património em Portugal, Grécia e Turquia.

Texto de Teresa Carvalheira
Fotografia de É pra amanhã!
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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