Obra literária de Cláudia R. Sampaio, originalmente publicada na Revista Gerador 36.
Há um dia em que reparas na tristeza
Tu, umbigo do mundo com a noção das coisas escuras,
circulando o medo
o teu nome atirado ao acaso com um gosto a terra
descobres a tua identidade espalhada pelo dia,
a dor das coisas que não se sabem,
a tua memória decepada
Tens o dom de respirar sem saber da vida,
onde a deixaste que não te sossega o espírito
e perguntas pela luz que sentias quando ainda
não tinhas o impulso das alturas
nem a destreza de um cordel que te agarra
Estás exausto, espalhas pela casa a tua diagonal,
os teus pronomes
sabendo que é sozinho que vais buscar a noite,
que é sozinho que passas pelo tempo quando
o desespero te seduz a espinha
que é sozinho que abres a porta para uma saída
onde não está ninguém
Ninguém te conduz os passos ao auxílio da maravilha
Tens a certeza que te exprimiste, que és corpo,
um brilho altíssimo ao explicares que te esvaziaste
mas há uma surdez em toda esta vertigem
este rumor dos que se ausentam sem ensaio
Fazes parte da contradição de ser gente
gente que entra pelo lado mais longínquo
para chegar a algum lado
gente que se espalha pelos ossos, pela verdade,
sem um rumo que lhe reconheça o passo
bichos autênticos de um céu quebrado
Somos os que se fazem peito de roer,
de chorar de perda pela intensidade de uma tarde
se maior tristeza não é a do cansaço
mas sim a dos muros que escondem as sombras
Nós amamos as sombras, o sublinhado de um punhado
de ervas gastas
o momento grato da invisibilidade
Somos os que não se fazem de pernas duradouras
mas duramos na nossa própria dimensão
de um barulho que não se ouve, mas explode
e vai roendo os ecos nos orifícios
Somos orifícios desencontrados do silêncio,
uma forma estranha de amor absoluto,
o descanso de Deus aos nossos pés
Olhem para nós, restos de contradição imaculada
chocalhando as ideias de uma verdade redentora
benzendo hospícios, casando as feridas
dor arrumada na luz da manhã
Não sabemos onde repousar a saliva futura
se as palavras nos servem de leito na discórdia
são de flores e tiros, espantos desencontrados
que nos acolhem a força
Olhem para nós, estátuas que percorrem planetas,
uivos claros de gatinhar de costas
peças que se amontoam num jardim de ácido
Mas vamos mostrando ao peito que sabemos de nós,
que sabemos das correntes de visões universais
das marés e dos mundos que nos habitam em vento
Nós, os que nos sentamos ao alto, remexendo na solidão
que temos o poder das aves sobrevoando tudo
que nos alteramos no espaço para preencher as fendas
andamos descalços dando milho ao fogo,
espetamos os dedos nos olhos da loucura,
e renascemos já com o brilho das coisas todas
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