fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Manuel Luar

Comer em Casa: Palavras feias

Conta a pequena história que na cidade de Ischia, perto de Nápoles, um grupo de…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Conta a pequena história que na cidade de Ischia, perto de Nápoles, um grupo de foliões que vinham bem “avançados” de uma aventura alcoólica passada num bar da moda, se abeirou já fora de horas do restaurante Rancio Felonni (aqui diríamos “navalheira”) que pertencia ao Sr. Sandro Petti, exigindo comer.

Petti não os podia mandar embora – eram seus amigos e gente importante – mas já pouco tinha para lhes dar àquela hora da noite.

Sobravam-lhe alguns tomates, alcaparras, uma lata de anchovas e azeitonas. Com esses ingredientes inventou um molho que deitou por cima de um “spaghetti al dente” acabado de fazer também por ele.

Estava criado o “spaghetti alla puttanesca”, cuja simplicidade de execução e agrado geral, para quem não desdenha os sabores fortes, o tornou quase de imediato um sucesso naquele restaurante e em muitos outros pelo mundo fora.

Por que motivo ganhou o prato este título, uma vez que não parece estar na sua génese o envolvimento de alguma senhora da nobre profissão em causa?

Continuando com a lenda, parece que o que se passou naquela noite para batizar o prato foi um fenómeno linguístico de proximidade. 

O grupo de beberrões quando defrontado com a falta de materiais no restaurante terá dito ao cozinheiro e proprietário faz-nos “puttanata qualsiasi”, o que em italiano de rua será mais ou menos parecido com a frase portuguesa bem afiada “desenrasca para aí qualquer m****”.

O Sr. Petti não gostou do som da palavra “puttanata” e achou melhor usar na sua ementa a palavra “puttanesca”. 

Estava criado o mito.

Em nossa casa este prato é sempre uma opção barata, rápida e destinada ao êxito da pandilha. Por isso recomendo que, em havendo quatro criaturas presas no recato do lar, façam este prato como se fosse para seis. Porque com a travessa à frente vale sempre o velho ditado: “comer e coçar o pior é começar”.

Ingredientes: 4 tomates, 3 dentes de alho, 1,2 decilitros de azeite extra virgem, salsa, orégãos, pimentos vermelhos picantes (ou malagueta esmagada), 50g alcaparras, sal, 100g azeitonas pretas sem caroço, 600g de spaghetti de trigo duro, um frasco de 100g de anchovas de boa qualidade.

Como fazer: Refogamos o alho no azeite e quando estiver dourado juntamos as alcaparras, as azeitonas sem caroço, os tomates cortados em cubos e sem pele, os pimentos vermelhos sem as pevides e os orégãos a gosto.

 Em estando cozinhado juntamos a salsa picada e as anchovas lavadas e esmagadas, deixamos apurar e corrigimos o sal.

Entretanto fez-se o “spaghetti al dente”,  sete ou oito minutos, e deita-se este molho por cima, mexendo bem. Guardem alguma da água de cozer o spaghetti para acrescentar ao molho.

Serve-se de imediato.

O que se deve beber com esta receita tem de equilibrar o ácido das anchovas com o picante dos pimentos. Esquecemos os vinhos tintos com corpo e frutos pretos.  Querem-se tintos mais leves e novos, ou então vinhos brancos. Se forem aos sites especializados internacionais verão que  a casta “Viognier” é recomendada para os vinhos brancos, bem como a casta Shiraz para os tintos.

Mas estamos em Portugal e a crise pede iconoclastia.  Sai um belo Rosé? Um Douro Redoma de 2017, com 13º e a custar menos de 10 euros.

 Depois de assim comer e beber tão bem, regressa a esperança:

 (…)Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.

Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!

(Carlos Drummond de Andrade)

-Sobre Manuel Luar-

Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses.  Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de André Carrilho

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

15 Outubro 2025

Proximidade e política

7 Outubro 2025

Fronteira

24 Setembro 2025

Partir

17 Setembro 2025

Quando a polícia bate à porta

10 Setembro 2025

No Gerador ainda acreditamos no poder do coletivo

3 Setembro 2025

Viver como se fosse música

27 Agosto 2025

A lição do Dino no Couraíso

13 Agosto 2025

As mãos que me levantam

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

29 SETEMBRO 2025

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0