fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Crónica número um

Fui convidado pelo Gerador a escrever uma crónica para cada mês do ano de 2021….

Opinião de Marco Mendonça

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Fui convidado pelo Gerador a escrever uma crónica para cada mês do ano de 2021. Fiquei tão contente que quis logo aceitar, mas antes disso fiz uma curta pesquisa no Google, só para ter a certeza de que sabia o que era uma crónica. Antes de clicar no primeiro resultado da pesquisa, tentei organizar, para mim, uma definição simples: uma crónica é um tipo de texto que pode ser lido em jornais ou revistas, mas que não precisa de ter cariz informativo. Não estava errado, mas percebi que havia muito mais para saber sobre crónicas.

Existe uma definição antiga e uma definição moderna da palavra. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa de 2008, da Porto Editora, a palavra era usada na antiguidade clássica para definir uma narração de factos históricos segundo a sua ordem temporal. Só mais tarde veio a ser associada a um estilo literário mais ligado ao jornalismo do que ao relato histórico. Na sua definição moderna, a crónica pode ser um texto crítico, um comentário ou uma narração de acontecimentos reais ou imaginários. Caracteriza-se, muitas vezes, pela liberdade criativa que permite ao escritor ou escritora, mas não deixa de ter de respeitar algumas regras, mais ou menos formais, nomeadamente em termos de extensão e densidade. Há quem diga que uma boa crónica não pode ser muito longa, para não cansar o leitor ou a leitora, e que não deve ter raciocínios muito rebuscados ou de difícil compreensão. Que deve evitar a violência informativa das notícias diárias e promover a boa disposição de quem lê, nunca desfazendo a importância das temáticas atuais.

Estava finalmente esclarecido e disse que sim. Só faltava escolher uma fotografia de rosto para aparecer no topo da página e escrever uma pequena biografia, que na verdade é também uma espécie de crónica à moda antiga: factos sobre a minha “História” profissional organizados por ordem cronológica.

Todas as histórias são importantes. Sejam ficcionais ou factuais, é nelas que a memória confia para se fixar no tempo. O teatro é o meu lugar preferido para contar e ouvir histórias. É uma expressão livre, que pode provocar e fazer pensar, mas que não tem de viver apoiada nos factos. Um pouco como escrever crónicas. Ainda assim, há momentos em que os factos precisam de ocupar o espaço da ficção e fortalecer a arte como arma de afirmação histórica e política.

No documentário AmarElo - É tudo pra ontem (Netflix), do artista brasileiro Emicida, o palco do Theatro Municipal de São Paulo transforma-se num lugar onde a verdade pretende ser reestruturada e devolvida a um público que, até então, nunca ali tinha entrado. O cantor e ativista, para além de apresentar em concerto as canções maravilhosas do seu último álbum (AmarElo), decide revisitar os últimos cem anos da cultura negra brasileira. Do samba ao rap, da abolição tardia da escravatura às manifestações do Movimento Negro Unificado, o racismo estrutural do Brasil é confrontado com a entrada histórica de corpos negros numa das mais prestigiadas salas do país. E é neste olhar para o passado que percebemos a necessidade de não deixar morrer as vozes que, naquele mesmo palco ou cercados pela polícia na escadaria do teatro, se insurgiram contra o racismo e a desigualdade social. Somos, assim, convidados a olhar para ontem, um ontem distante, mas não menos decisivo na compreensão do presente.

É triste pensar que, em Portugal, os centros culturais também contribuem para uma insistente romantização do passado colonial. Normaliza-se a não aceitação da cultura negra como parte importante da definição da sociedade portuguesa. Esse ontem de que Emicida fala no seu documentário, que exige uma reflexão abrangente e responsável, continua a ser alvo de interpretações anacrónicas que apenas refletem as vivências e aspirações de um grupo restrito, silenciando todos os outros. Nos dias que correm, é imperativo que se assuma o perigo de uma história única e incompleta. Os palcos nacionais precisam de ser ocupados por factos e ficções que reflitam as vivências e aspirações dos grupos marginalizados, silenciados e ignorados pela sociedade. Histórias como Aurora Negra, de Cleo Tavares, Isabél Zuaa e Nádia Yracema, que fizeram tremer em êxtase as fundações do Teatro Nacional D. Maria II, provam o quão urgente e necessária é a presença negra nos maiores edifícios culturais do país. Histórias como a de Emicida que, noutro hemisfério, quis homenagear o passado difícil, mas orgulhoso, da arte negra, plantando a semente de esperança que irá definir o futuro dos seus descendentes. Histórias que aproximam tempos e pessoas. Histórias que precisamos de ver e ouvir, ler e escrever. Histórias que existem há séculos, mas que ainda não conhecemos. Histórias que respeitem a cronologia das lutas que começaram ontem, mas que ainda são importantes de mencionar hoje. Histórias que o Google tem dificuldade em encontrar, mas que se podem contar de várias maneiras, seja em livros, documentários, peças de teatro, ou crónicas.

-Sobre Marco Mendonça-

Marco Mendonça nasceu em Moçambique, em 1995. É licenciado em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Estreou-se nos The Lisbon Players. Em 2014, começou a trabalhar com a companhia Os Possessos. Estagiou, entre 2015 e 2016, no Teatro Nacional D. Maria II, onde participou em espectáculos de Tiago Rodrigues, João Pedro Vaz, Miguel Fragata e Inês Barahona, entre outros. Em 2017, trabalhou numa criação de Tonan Quito e fez o seu primeiro espectáculo com a companhia Mala Voadora.  Em 2019, estreou-se como autor e co-criador em "Parlamento Elefante", projeto vencedor da primeira edição da Bolsa Amélia Rey Colaço. Atualmente, integra o elenco de “Sopro” e “Catarina e a beleza de matar fascistas”, de Tiago Rodrigues.

Texto de Marco Mendonça
Fotografia de Joana Correia

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

23 Abril 2024

O triângulo da pobreza informativa na União Europeia. Como derrubar este muro que nos separa?

23 Abril 2024

Levamos a vida demasiado a sério

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

4 Abril 2024

Preliminares: É possível ser-se feliz depois de um abuso?

4 Abril 2024

Eles querem-nos na guerra

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0