Os direitos são invenções humanas que configuram a base da cidadania no seio dos Estados-Nação. É a partir deles que os cidadãos promovem o respeito pela vida em sociedade, estando salvaguardados de injustiças que atentem contra a sua autonomia individual. Thomas Marshall, sociólogo do século XX, numa linha sociohistórica de análise, evidencia-nos que o surgimento dos direitos foi progressivo, estabelecendo três elementos específicos de cidadania: o direito civil, relacionado com a liberdade individual (de pensamento, de fé, de imprensa...) e com a propriedade privada; o direito político, que redunda, basicamente, na possibilidade de eleger e ser eleito; e o direito social, suportado pelas ideias de bem-estar económico, segurança e satisfação de necessidades de saúde, educação ou habitação.
Pela complexidade da sua natureza, as garantias sociais, para além de serem as mais recentes, sempre se revelaram as mais difíceis de serem alcançadas. Esta profundidade é tão grande que ainda hoje, num país do Hemisfério Norte como Portugal, conseguimos assistir a um conjunto de precariedades no acesso às condições básicas de vida. E o Governo português não tem conseguido dar uma resposta cabal a estes problemas que infligem de forma intensa uma grande parte da população, a qual enfrenta, atualmente, um momento de crise económica após uma situação pandémica que permaneceu por dois anos.
Poderemos recorrer ao exemplo da greve dos docentes para demonstrar que a educação, direito social e indispensável a qualquer pessoa, não consegue acautelar, ela mesma, salvaguardas à sua existência. Os professores, artífices do espírito crítico, mediadores das divergências de opinião e diferenciadores pedagógicos de aprendizagens, necessitam de circum-navegar o país, levando a casa às costas sem qualquer tipo de confirmação de que as suas despesas no novo território serão suficientes para que a sua vida ocorra com uma naturalidade mínima. Mas quem cita os professores poderá também citar os médicos, heróis do diagnóstico e da cura, que sempre foram explorados por um sistema que asseguram para todas as pessoas todos os dias. Para estes e outros profissionais o Governo possui sempre uma palavra que nos afirma estar constantemente a existir um processo de negociação, o mesmo que, no entanto, é interminável e sem qualquer tipo de transformações estruturais.
Por isso, devemos, após tanto tempo de um executivo alinhado com uma política socialista, questionar-nos sobre a proteção que o Estado está a fazer destes direitos absolutamente necessários. As medidas tomadas têm manifestado sequer algum tipo de intenção de construir um novo modelo educativo ou de saúde que tome em linha de conta as reivindicações dos sujeitos que trabalham dia após dia neles? E que significado tem a ironia de o maior período de contestação estar a acontecer no contexto de um Governo a quem é caro o socialismo que, ao invés de lutar pelos direitos sociais, abusa deles, pela sua ingovernabilidade, como um vocativo sem predicado?
Torna-se impressionante — negativamente — o quão mal oleada parece estar a máquina do Estado, particularmente quando se compara a nossa máquina estatal com a de vários outros países, inclusive da União Europeia, entre as quais a Alemanha (com uma atual coligação tripartidária que exige uma densa rede de negociações) e a França (que assistiu à perda recente da maioria absoluta do governo com o impressionante incremento e a representação da extrema-direita). Perante estes contextos nacionais, a nossa hodierna máquina estatal parece bem menos complexa e, ainda assim, menos eficaz.
Mesmo nós, cidadãos que tanto se esforçam para criticar com cuidado, sem sensacionalismo, procurando sempre dar o benefício da dúvida, sentimo-nos obrigados a perguntar em desespero — quanto ousará o Governo sacrificar na educação a favor das contas certas? Também nós somos adeptos das contas certas, mas não achará o Governo que este constante retrocesso da Escola põe em causa a sustentabilidade económica do país, dificultando a formação de trabalhadores qualificados? Qual é o limite da cegueira ideológica do Governo? E, juntando uma insípida pitada de tristeza, quando é que o Governo pensa provar ao país que o seu socialismo serve para alguma coisa?
Esta parece uma questão que, se possível (caso não fosse escandaloso), seria respondida com "não há dinheiro". No entanto, tal como com outros casos semelhantes no passado, nunca foram apresentadas provas substanciais. O Governo (e tantos outros) escolheu refugiar-se no Orçamento de Estado, alegando algo como "o Orçamento não deixa".
Se isto não é verdade, então, como é claro, o Governo merece críticas e censura, devido à enorme gravidade da sua atitude. De resto, muitos já se demitiram por menos.
Mas se tal é, de facto, a verdade, então o que impede o Governo de se explicar como deve ser? Com números? Acontece que, hoje, somos muito melhores na matemática do que há 50 anos (obrigado, ameaçada Escola!). Não seríamos capazes de aguentar uma conferência de imprensa com os números? (De resto, já fomos maçados com tantas outras; não aguentaríamos mais uma?) Como cidadãos que se preocupam, que apreciam o rigor e a transparência (mesmo quando aborrecidos), ficaríamos muitíssimo contentes em ouvir uma explicação mais científica por parte do Governo. Seria um ato de bom trabalho, de cidadania, de humildade — um ato de respeito pelos portugueses, cujos votos são muito mais poderosos do que qualquer maioria absoluta.
Pode acontecer (e, se tivéssemos que apostar, assim é) que a resposta seja "nim". Então exige-se ao Governo coragem, explicitando com todas as letras a sua posição. "Ou dá-se a todos ou não se dá a ninguém", dir-se-á. Talvez seja o melhor (não é óbvio para nós). O Governo deve dizer se concorda ou discorda, sem margem para dúvidas, sem jogo político. Não pode uma maioria absoluta ser humilde?Tome cuidado, Senhor Primeiro-Ministro — esta maioria, que tanto potencial tem, está a desiludir os portugueses. Está a desiludir os jovens. Gente que ama Portugal, bons cidadãos, democratas, moderados, decentes, isso tudo! Pessoas que, por muito que seja o amor à Pátria, vêem-se cada vez mais drenadas da esperança que forjou Portugal. O estrangeiro, terra da mudança (porque basta não estar em Portugal), chama... baixinho, ao início, mas começa a ser difícil fazer de conta que não ouvimos. Tanta boa gente já levou. Suplicamos — tenha mais coragem e humildade. A imortalidade está ao seu alcance: dormirá bem à noite se desperdiçar a oportunidade?