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Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

Na Revista Gerador 42, na crónica Disco Riscado, que agora partilhamos contigo, o Luís Sousa Ferreira aborda o aumento preocupante do consumo de antidepressivos em Portugal, destacando a necessidade de uma abordagem holística para promover o bem-estar, envolvendo fatores como saúde mental, estilo de vida saudável, interações sociais, espaços verdes e cultura.

Texto de Redação

©Raul Pinto

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Na semana em que escrevo esta crónica, Portugal reapareceu como um dos países com mais consumo de antidepressivos. Um país, que, na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], só perde neste campeonato para a Islândia, país frio e com baixa exposição solar. Cerca de 1,25 milhões de portugueses vivem com depressão crónica ou com outras perturbações mentais (12 % da população). Em contramão, continuamos com um tímido e pouco disseminado serviço público centrado na saúde mental, que antecipe e proporcione cuidados mais adequados e eficientes. Oscilamos entre o país que desvaloriza a saúde mental e o que vê na medicação a solução para todos os males. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que até 2030, a depressão será a principal causa global de incapacidade.

Que razões nos levam a este estado? Por que razão estará Portugal mais deprimido e desesperançado? O que estamos a fazer de errado para que um país europeu, seguro, com clima ameno, inserido num dos sistemas mais privilegiados do mundo, esteja deprimido?

Sabemos que o bem-estar humano depende de muitas variáveis, com ênfase nas económicas, para a necessária garantia das condições básicas à dignidade humana. Em 2023, o país gerou mais 31 mil milionários, porém o risco de pobreza, apesar de estar abaixo da média europeia, ainda é de cerca de 20 %. Acredito que as condições financeiras possam ser responsáveis pela ansiedade de muitos portugueses, mas existem outros números que nos tornam ainda mais particulares.

Comecemos por perceber o complexo conceito de saúde que se baseia no equilíbrio entre o bem-estar físico, psicológico e social. Segundo a OMS [Organização Mundial da Saúde], a saúde não se limita apenas à ausência de sintomas ou doenças físicas, mas também abrange aspectos emocionais, psicológicos e sociais. Alcançar um estado de saúde ideal envolve não apenas tratar doenças quando elas surgem, mas também adotar um estilo de vida saudável, que inclui uma dieta equilibrada, atividade física regular, cuidado mental e emocional, e interações sociais positivas.

Sinto que, em Portugal, somos ótimos a trabalhar na emergência, no sobre-estimado espírito do desenrasca, no tratamento e no efémero. Somos guiados para atingir metas e desafios pontuais, mas pouco despertos para práticas continuadas, para a cultura desportiva, para as práticas artísticas, para a prevenção ou para a formação contínua. No fundo, para adquirir hábitos saudáveis de uma forma integrada.

No recente Eurobarómetro sobre Desporto e Atividade Física, 73 % dos portugueses não praticam exercício, a maior taxa na Europa. O Relatório da Federação Mundial Obesidade prevê que a obesidade atingirá 39 % dos adultos portugueses até 2035, agravando outras doenças e afetando a saúde mental, contribuindo para a baixa autoestima, depressão, ansiedade e discriminação social. A isto, poderá acrescentar-se a falta de locais de encontro para além de espaços comerciais e o pouco contacto com a natureza. A escassez de espaços verdes, o tempo passado em filas de trânsito, a poluição atmosférica, sonora ou visual, as dificuldades na mobilidade pedonal e suave, entre outros, são problemas que contribuem não só para o declínio da qualidade de vida nas cidades, mas aumentam comprovadamente o risco de doença mental. A concentração urbana criou grandes dormitórios, que se tornaram autênticos não-lugares, onde vivem quase metade dos portugueses, enquanto 80 % do território é caracterizado por ser de baixa densidade populacional. Como agravante, segundo o Eurostat, somos um dos países mais envelhecidos do mundo. Há 182 idosos por cada 100 jovens no país, dizem os censos. Outro número preocupante, que também está relacionado com os números anteriores, é o facto de se estimar que cinco em cada dez pessoas sofrem de solidão em Portugal.

As vivências cívicas e de bairro são praticamente inexistentes e as que restam estão em decadência. Estas dinâmicas têm uma importância predominante para o sentimento de pertença e a criação de comunidade. Na mesma linha, o estudo levado a cabo pelo Instituto de Ciências Sociais conclui que 93 % dos inquiridos se encontravam na categoria de «baixo consumo cultural», de atividades como teatro, dança, ópera, cinema, circo, concertos, festivais e festas locais. Apesar de ter várias ressalvas sobre a extensão deste conceito de consumo cultural, este números não deixam de ser indicadores relevantes sobre os hábitos culturais e sociais dos portugueses.

Sem aprofundar outros indicadores, conseguimos perceber que para além do combate à doença mental, urge a criação de uma sociedade que promova o bem-estar. Uma sociedade que promova a conexão entre os seus habitantes através de um olhar curioso, que os envolva com a natureza, a arte, a ciência, a saúde, a educação e a tecnologia.

Reforço também que somos responsáveis, nas nossas atitudes e escolhas individuais, pelo bem-estar coletivo, que a maior parte das nossas ações afetam o outro. Não somos imunes à vida em sociedade, mas, por falta de tempo, por apatia crónica ou por desencantamento generalizado, tornámo-nos mais robotizados do que curiosos. Por isso, é crucial que as instituições públicas e privadas proporcionem melhores condições laborais, mais momentos de encontro e reflexão, mais espaços verdes que promovam o contacto com a natureza e as práticas desportivas, mais lugares de descanso, escuta e descoberta, criando novos ritmos e novas rotinas para os cidadãos.

É fundamental lembrar que a cultura, especialmente a arte, que é regularmente vista como adicional, é vital para o bem-estar mental. Ela permite uma visão mais profunda da vida, canaliza emoções positivas e negativas na sua expressão e reflexão, combate o isolamento e alivia a ansiedade, o stress e o medo. A arte é um catalisador de liberdade, encontro e reconciliação com a realidade. Ao estimular a imaginação e a criatividade, cruciais para a saúde mental, a arte contribui para um novo modelo de perceção e inclusão das pessoas no mundo, para que estas não sejam apenas números.

-Sobre o Luís Sousa Ferreira-

Formado em design industrial, é adjunto da direção artística do TNDMII, docente na ESAD.CR e presidente da Riscado. Foi fundador e diretor artístico do 23 Milhas, BONS SONS, Aldear e Caminhos do Médio Tejo. Trabalhou também na Braga’27, experimentadesign e CENTA (Centro de Estudos de Novas Tendências Artísticas). É o autor da crónica «Disco Riscado» na Revista Gerador.

Texto de Luís Sousa Ferreira
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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