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Manifest: recriando a memória da Europa sobre o tráfico de pessoas escravizadas

Depois do lançamento na Hungria, Lisboa recebeu o MANIFEST: novas perspectivas artísticas sobre memórias do comércio transatlântico de pessoas escravizadas. O Gerador acompanhou as atividades da segunda residência artística e revela os 22 artistas em torno de 12 projetos que culminarão em uma exposição em 2024, em França.

Texto de Amina Bawa

©Bárbara Monteiro

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Pessoas escravizadas. Pessoas. Antes de serem comercializadas e transportadas do continente africano pelo oceano Atlântico para as Américas e para a Europa, tendo Portugal, Inglaterra, França, Holanda, Suécia e Dinamarca como países que lideraram as expedições, estas pessoas falavam em suas línguas, praticavam suas religiões, alimentavam-se, festejavam, curavam, contavam histórias, dominavam as ciências. Estas práticas culturais foram algumas das técnicas de sobrevivência utilizadas por grupos levados nas embarcações. A memória como ferramenta de resistência dos povos africanos diaspóricos permitiu a manutenção da vida e o sentido de continuidade através da arte e da tecnologia. Para ampliar esta compreensão, nasceu em 2022, o MANIFEST: novas perspectivas artísticas sobre memórias do comércio transatlântico de pessoas escravizadas.

O projeto se propõe a contribuir para a reimaginação da memória coletiva da Europa através da capacitação e reflexão de 22 criadores, numa jornada que inclui residências artísticas com a expertise de supervisores, pesquisadores académicos e colaboradores na produção das obras e na promoção do uso de tecnologias inovadoras. Na base da proposta, a compreensão de que, no continente europeu, essas pessoas e seus descendentes, que buscavam e buscam a emancipação rumo à cidadania e à autonomia, tiveram papel fundamental no desenvolvimento económico e em setores diversos como produção e consumo, desenvolvimento do capitalismo, novos formatos da hierarquia social e debates de ideias.

Financiado pela Comissão Europeia no âmbito do Programa Creative Europe, o MANIFEST resulta de um consórcio entre o Gerador, plataforma independente portuguesa focada no jornalismo, cultura e educação; a dinamarquesa Khora, agência de produção combinada de realidade virtual (VR) e realidade aumentada (AR); a Les Anneaux de la Mémoire, associação francesa que trabalha com temas relacionados à história e património do comércio atlântico de pessoas escravizadas e do escravismo colonial; a Pro Progressione, um hub artístico com sede em Budapeste especializado em colaborações internacionais no âmbito da cultura; e a CUMEDIAE, agência internacional sem fins lucrativos com sede em Bruxelas que fornece serviços de consultoria no campo das Indústrias Criativas e Culturais, na Europa.

A jornada artística lisboeta

Das 227 inscrições para o MANIFEST, foram selecionados 22 artistas que representam 12 projetos. A primeira fase das residências artísticas ocorreu em junho, na Hungria, quando os participantes se conheceram e deram início aos seus trabalhos, desenvolvendo conceitos por meio de discussões com os pares, refinando as suas ideias e ouvindo os diferentes pontos de vista, destinados a aprimorar seus processos criativos, como comenta Clara Amante, responsável pela Academia do Gerador.

Os artistas Alecia McKenzie, Aurélie Capelle-Sigère, Bianca Turner, Calvin Yug, Daniela Jakrlova’ Riva, David Gumbs, Deirdre Molloy, Edgardo Gómez, EMARX, Fred Ebam, Ginebra Raventós, Gombo, Inês Costa e Thiago Liberdade, Jaqueline Zamora, Laís Andrade, Luanda Carneiro Jacoel, Magalie Mobetie, Monique Dikmoet, Sylvaine Dampierre, Tyrone Rickey-Lee “TyLee” reencontraram-se em Lisboa, três meses depois dessa imersão na Europa Central. Entre os dias 16 e 25 de outubro, o grupo foi recebido pela equipe do Gerador para dar seguimento à estruturação dos projetos.

Tiago Sigorelho, fundador da plataforma, comenta sobre a preparação para a segunda fase da jornada. “Nas conversas com os artistas e parceiros nessa primeira residência [na Hungria], chegamos à conclusão de que seria necessário encontrar um local mais citadino com acesso rápido a equipamentos e a especialistas que nos pudessem ajudar a esclarecer todas as dúvidas que os artistas tinham e, obviamente, um espaço em que as referências ao período do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas estivessem mais presentes.”

As perspetivas históricas em torno da presença africana na cidade lisboeta foram destacadas desde o primeiro dia, com reflexões sobre arte e memória em diálogo com associações culturais, especialistas e durante visitas guiadas. Os artistas estiveram baseados no edifício da Temporada Gerador, localizado na Rua de São Marçal. No local, foram criados os estúdios de trabalho e ocorreu o encontro com a DJASS-Associação de Afrodescendentes, coletivo antirracista que luta pelos direitos dos africanos e pessoas de ascendência africana em Portugal. 

Durante a atividade do primeiro dia, os artistas conheceram a proposta de criação de um memorial às milhões de pessoas escravizadas pelo império português entre os séculos XV e XIX. O projeto do Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa em 2017, no âmbito do Orçamento Participativo de Lisboa (OP), ainda enfrenta diversos obstáculos para a sua concretização. Nesta sessão, Evalina Gomes Dias gestora de projetos da DJASS, e o artista AULIL, discutiram com o grupo tópicos sobre a invisibilização, a resistência e a luta pelo reconhecimento.

Visitas guiadas à Lisboa africana

Compreender a relação entre as pessoas africanas e a zona metropolitana de Lisboa, foi o mote para explorar a Cova da Moura, onde os artistas foram conduzidos por Mima, um guia residente do bairro, que partilhou sobre a cena artística da região situada nos arredores de Lisboa. O local agrega uma das maiores comunidades cabo-verdianas em Portugal e é um dos polos mais ricos de afro-empreendedores, com lojas como a Bazofo, o projecto cultural Dentu Zona, iniciativas sociopolíticas como a Associação Cultural Moinho da Juventude, manifestações culturais como o Kola San Jon, mercearias e restaurantes como o tradicional O Coqueiro, onde o grupo experimentou a gastronomia cabo-verdiana do grogue à cachupa.

Explorando os caminhos da história, a última etapa consistiu em um tour guiado pelos pontos de interesse de Lisboa associados ao papel da cidade no comércio transatlântico de pessoas escravizadas com a Batoto Yetu Portugal. Na visita “Espaços da Presença Africana em Lisboa”, Djuzé Neves revelou a africanidade da cidade entrelaçada em uma tapeçaria de memórias e vestígios, tanto visíveis quanto invisíveis, que permeiam os dias atuais.

A primeira fase da residência artística foi de aprofundamento nas questões africanas de Lisboa, como comenta Clara Amante, responsável pela Academia do Gerador, coordenando tanto os programas educacionais quanto os programas de pesquisa da Plataforma. “A lógica da programação foi, por um lado, dar a conhecer a presença africana na cidade de Lisboa e quão importante ela é em diversas frentes, seja em termos de ativismo, em termos artísticos, em termos culturais, em termos de memória.”

A coordenadora destacou o interesse em estruturar uma planificação que pudesse valorizar e acrescentar conteúdos aos projetos artísticos, ajudando-os a resolver desafios para os quais estão à procura de soluções desde a primeira fase da jornada de residências.

O trabalho reflexão: mesas-redondas e workshops 

Depois de um primeiro dia chuvoso de pesquisas, coletas de dados e de informações pela cidade de Lisboa, o edifício da Temporada Gerador passou a ser o ponto de encontro entre especialistas que acompanharam o desenvolvimento dos artistas em seus estúdios e em coletivos. Além de ser o encarregado por pensar a permanência dos 12 projetos em Lisboa, o Gerador também acompanhou, de forma mais direta, os seis projetos com dimensão audiovisual associada. Sigorelho explica que os demais parceiros do consórcio MANIFEST desempenharam papéis diferentes e fundamentais ao trabalharem em sinergia: “À Khora coube o acompanhamento dos restantes seis projetos que estão ligados à realidade virtual e à realidade aumentada. O parceiro Les Anneaux de la Mémoire empenhou-se na garantia do suporte teórico, a CUMEDIAE desenvolveu todo o trabalho de comunicação e a Pro Progressione é o parceiro responsável pelo desenvolvimento artístico.”

A multiplicidade de técnicas artísticas aliadas à tecnologia que envolve os projetos recebeu atenção nos encontros para atualizações sobre a evolução das obras, com Stefanie Thomas, diretora de Estratégia e projetos da CUMEDIAE, até os workshops e mesas-redondas para debate de ideias. 

Na “Mesa para práticas invertidas”, gerida pela artística âncora Vânia Gala, os participantes foram convidados a participar de uma coreografia que os fizesse ver o mundo de ponta cabeça e, assim, questionar estratégias e posicionamentos performáticos particulares, fabular sobre possíveis novos que podem ser construídos, inverter e trazer novos significados para palavra e cânones que marcam a vivência afrodescendente e, através das suas obras, criem outros futuros coletivos possíveis.

Na programação, Vânia Gala, junto a Patricia Beauchamp Afadé, mediaram a mesa-redonda “Artes e a reimaginação da memória coletiva da Europa sobre o comércio transatlântico de pessoas escravizadas: como alcançar seu público? Que ação reparadora?”, organizada pela Les Anneaux de la Mémoire.

A discussão permitiu que os especialistas, os artistas do MANIFEST e o público presente trocassem pontos de vista sobre as várias abordagens possíveis para integrar a arte no trabalho de lembrança em torno da história do comércio transatlântico de pessoas escravizadas e do escravismo colonial. Com a participação virtual de Alissandra Cummins, especialista em património caribenho, desenvolvimento de museus e artes, diretora do Museu e Sociedade Histórica de Barbados e presidente da Coalizão Internacional de Locais de Consciência, e de Ibrahima Seck, Diretor de pesquisa do Museu da Escravidão Whitney Plantation na Louisiana (EUA) e ex-membro do departamento de História da Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar (UCAD), no Senegal, o grupo criou uma triangulação entre Europa, Estado Unidos e Caribe ao partilhar as suas experiências na busca por atender às expectativas específicas das pessoas afrodescendentes ao contarem as suas histórias.

Durante o evento, Barbara Chiron, coordenadora de Projetos Culturais no Les Anneaux de la Mémoire, e Evalina Dias, gestora de projeto da DJASS – Associação de Afrodescendentes e ativista pelos Direitos Humanos, migrantes, refugiados e de solicitantes de asilo, reforçaram a discussão sobre “como atrair os cidadãos para a construção de uma luta que é de todos”.

O encontro terminou com uma provocação para todos os presentes: “Como memorizar a dor sem ser através das lágrimas? Por meio da celebração da resistência”, defendeu Evalina Dias.

Barbara Chiron, Evalina Dias Gomes, Vânia Gala e Patricia Beauchamp Afadé ©David Cacopo

MANIFEST encontra o público no showcase

Durante os dez dias da residência artística em Lisboa, cada um dos 12 projetos teve, no edifício da Temporada Gerador, um estúdio individual para reflexão, teste e desenvolvimento dos trabalhos. Nas salas, os artistas realizaram reuniões com os parceiros do consórcio, foram orientados para as apresentações finais por especialistas, além dos encontros com a equipe de produção do Gerador.

“Esta parte é muito relevante efetivamente, porque foi a primeira vez que os artistas olharam para as suas obras na perspetiva de as apresentarem publicamente para pessoas que desconheciam”, avalia Tiago Sigorelho, do Gerador.

O showcase, marcado para a tarde do dia 23 de outubro, foi dividido em dois momentos simultâneos nos quais os artistas puderam abrir os seus estúdios e conversar com o público sobre o progresso de seus trabalhos. O outro formato aconteceu na sala principal, num estilo de apresentação mais habitual, para que os artistas falassem de seus projetos com algumas entidades e profissionais relevantes do setor artístico e cultural em Portugal e a comunidade local.

Estúdios abertos à visitação do público ©Bárbara Monteiro

Alecia McKenzie (@aleciamck) – The sea is our story

A escritora, editora e artista nascida na Jamaica, vive em Paris. Sua primeira coleção de contos, Satellite City e seu romance Sweetheart receberam os prêmios literários da Commonwealth, e seu livro mais recente, A Million Aunties, foi incluído na lista do Prêmio Literário de Dublin de 2022. O trabalho de Alecia como artista visual foi destaque em exposições individuais e coletivas internacionalmente, incluindo em Cingapura, Paris, Kingston e Londres. Seu projeto une os poemas escritos por pessoas escravizadas sobre os portos franceses numa instalação que incorpora poesia, artes visuais, música e performance.

©Bárbara Monteiro

Laís Andrade (@akalais) – The sea is our story

A realizadora, guionista e artista visual tem um histórico familiar entre Portugal e Brasil. Escreveu e dirigiu Green House (2021), uma curta-metragem premiada que aborda a história de uma mulher imigrante trabalhando em plantações ilegais, baseado nas histórias de sua comunidade. No final de 2021, ela também dirigiu a curta-metragem Gagne-Pain (2021) na residência Cineluso, em Bruxelas, que conta quatro histórias de pessoas imigrantes Ao trabalhar com as questões dos retratos de família, desenvolveu o seu projeto no qual as pessoas escravizadas enviam áudios, por WhatsApp, umas para as outras enquanto estão nas embarcações. Os diálogos escritos pela artista resultarão numa videoinstalação.

©Bárbara Monteiro

Daniela Jakrlova’ Riva (@eye.0001) – Golden Nectar

A artista visual italiana frequenta o curso de dois anos em Artes Visuais e Estudos Curatoriais na NABA (MI). Sua pesquisa artística movimenta-se através de palavras, fotografia, modelagem 3D e impressão; onde realidade e ficção se entrelaçam. Investiga estruturas arquitetônicas que simbolizam a complexa teia de forças políticas e económicas que deram origem a hierarquias raciais e espaciais após o comércio transatlântico de escravizados do final do século XV ao XIX.

©Bárbara Monteiro

David Gumbs (@gumbsy) – Sonjé

O artista interdisciplinar da ilha caribenha de Saint-Martin, radicado na Martinica, tem como trabalhos “Ethno Spirits”, a exposição “BAC Sonic Clinic”, no Mocada NY. Sua participação nas feiras de arte Zonamaco, JustLX e JustMAD. Sua primeira exposição sólo em museu nos Estados Unidos, os premiados pela Mondes Nouveaux. Para o Manifest, desenvolve sua obra de arte em realidade virtual que leva o visitante a um misterioso mundo virtual tropical de plantação de bananeiras nas Índias Ocidentais Francesas. O projeto é inspirado na preocupante realidade de um desastre ambiental e lento massacre da população local devido à “molécula Clordecona”, mais conhecida como Kepone.

©Bárbara Monteiro

Gombo (@gombo_artiste) – The private portrait

O artista visual, pintor e cineasta de animação tem uma herança mista de origens francesas, congolesas, angolanas e brasileiras. Ele começou a desenhar quando era criança, enquanto morava com seus pais em Angola. Seu projeto é uma experiência de realidade virtual que convida o público a usar um headset, materializando a memória humana como um espaço tridimensional, onde podem ver interpretações de retratos históricos afro-europeus. O público mergulha na pintura para ouvir uma memória de sua vida.

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Sylvaine Dampierre (@sylvainedampierre) – The words of negroes 

A editora de filmes juntou-se aos Ateliers Varan como formadora em realização cinematográfica. Em 2010, fundou a Varan Caraïbe na Guadalupe. Supervisionou oficinas de formação na Guadalupe em realização cinematográfica, edição e documentário web. Realizou quatro documentários na série D’un jardin, l’autre. Estes filmes abordam jardins familiares ou sociais: Em L’île (A Ilha – 60’ – 1998), ela acompanha um jardineiro que aluga um pedaço de terra na ponta da Ilha de Saint-Germain há 45 anos. Para o MANIFEST, trabalha numa instalação que combina vídeo, fotografia, criação sonora e texto para criar uma experiência imersiva de reconexão com a memória com retratos em 3D dos trabalhadores guadalupenses, perpetuando gestos imemoriais nos seus canaviais e antigas fábricas de açúcar.

©Bárbara Monteiro

Magalie Mobetie (@incompletedworld) – Explain me what you know, if it doesn’t bother you?

A artista caribenha combina vídeo, som, 3D, realidade aumentada e interatividade em seu processo criativo. Sua prática transdisciplinar vem da formação no Le Fresnoy, Studio National des Arts Contemporains (2020–2022), durante o qual ela investiga um antigo cemitério familiar (Anba tè, adan kò, 2021). Seu projeto será uma instalação de vídeo de realidade virtual onde se podem ouvir as histórias do cultivo de plantas por pessoas escravizadas no Caribe, contadas por uma neta à sua avó, em Guadalupe.

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Inês Costa & Thiago Liberdade (@inesxcostax | @thiagoliberdade) – New Atlantic Atlas

Inês tem sua pesquisa centrada no papel da imagem na construção das narrativas que compõem a memória coletiva portuguesa, por meio da interseção do design e outras áreas artísticas, buscando questionar as imagens como ferramentas na linguagem e ação sociopolítica. Thiago trabalha no Porto como fotógrafo, designer e pesquisador com uma bolsa da FCT e ID+ no projeto de pesquisa Imagens Adocicadas: semiótica do açúcar. Integra a equipe do projeto XXATENEUXXI, como produtor executivo e tem desenvolvido parte das imagens gráficas para espetáculos, residências e exposições da CRL/Central Elétrica, bem como para as últimas duas edições do Volts Festival (2021 e 2022).

Juntos trabalham a instalação artística foca no poder das imagens e símbolos e como eles foram romantizados pelos invasores e traficantes europeus, criando uma nova narrativa sobre a memória e história do tráfico transatlântico de seres humanos a partir de uma perspectiva anticolonial.

Luanda Carneiro & Bianca Turner (@map_luacaja | @biancaturner) – Kalunga XR

Luanda Carneiro é performer que trabalha com os princípios de ancestralidade, memória e temporalidade nas tradições afro-brasileiras. Seu trabalho atravessa fronteiras entre dança, ritual, instalação e vídeo-performance. Mestrado em Belas Artes em Performance pela Academia Norueguesa de Teatro (NTA), é cofundadora da antiga plataforma ACTS – laboratório para práticas de performance em Oslo. Bianca é artista, atualmente estudante de doutoramento em Arte Contemporânea (Universidade de Coimbra), mestre em Cenografia na Royal Central School of Speech and Drama (2013, Londres) bacharel em Design and Performance Practice na Central Saint Martins (2011, Londres). Juntas, as artistas brasileiras refletem sobre os significados de Kalunga, que se traduz como mar e também como locais de sepultamento, relacionados ao comércio transatlântico de pessoas escravizadas e à diáspora africana resultante dessa jornada através do mar. A performance de realidade virtual é baseada na comunicação entre música, dança, instalação que ocorre em tempo real, gerando diálogo e dramaturgia com uma forte relevância entre corpo, espaço e tempo, transformando a perspectiva do espaço e do público.

©Bárbara Monteiro

– Collectif On A Slamé Sur La Lune (Albert Morisseau Leroy dit Manalone @albertmorisseauleroy, Calvin Yug @calvinyugbantu e Fred Ebami @fredebami) – The doors

Alberte é poeta de slam, artista visual, integrador digital apaixonado por arte e cultura, é um dos membros fundadores do coletivo On A Slamé Sur La Lune. Calvin é músico, baterista e designer de som. Pesquisador residente na Cité International Arts de Paris em 2006, seu trabalho resulta das fricções e fusões entre as culturas musicais da África, Europa, América Latina e Ásia, passando da música tradicional ao jazz. Fred é artista franco-camaronês que faz parte do mundo digital e traz uma abordagem avant-garde refrescante para a arte pop convencional.
O coletivo trabalha com uma performance imersiva em que os visitantes são convidados para uma experiência de jornada pelo tempo, pela tradição e de futuro, diferente daqueles que passavam pelas portas do não-retorno, quando escravizados.

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– The Acoustic Heritage (Ginebra Raventós, Emarx e Edgardo Gómez | @acoustic_spaces) – Sonic boom

Ginebra é poeta e artista transmídia, cujo campo de pesquisa cruza a voz, a palavra, o inconsciente coletivo e a psicoacústica por meio do som e do espaço.

Emarx é engenheiro acústico, técnico de som e artista sonoro. Ele concentra sua pesquisa e produção artística no estudo do espaço acústico e sonoro, especialmente em sua capacidade de gerar afeto por meio da memória perceptual.

Edgardo complementa sua profissão como engenheiro de mixagem em seu estúdio de gravação “Haptós Soundlab” com projetos de design de som para teatros e projetos como artista sonoro. O coletivo questiona a Revolução Industrial catalã, que gerou tanto orgulho para o país, sendo financiada em grande parte pela riqueza gerada pelos negócios de escravizados que os catalães realizavam nas Américas, especialmente em Cuba, através de videoinstalação.

– Stichting SKLNE (Tyrone Rickey-Lee “TyLee” @tyronerickey_lee, Monique Dikmoet @moniqued65 e Jaqueline Zamora @zamorestudios) – Tyari grani

TyLee é um criador que acredita no poder da arte para abordar assuntos sensíveis. Ele vê a criatividade como uma solução para cada problema e utiliza a arte do movimento como uma linguagem para transmitir significado, história e emoção, seja o meio um palco, um filme ou tecnologia digital. Monique é escritora, pesquisadora e produtora criativa para cinema e teatro, trabalhando e criando na interseção entre narrativa e tecnologia. A mexicana Zamore é uma narradora de histórias que dá vida a ideias por meio de ilustrações, animações, poesia e videoclipes musicais. O projeto multimídia e interdisciplinar do coletivo falará sobre os resquícios da história do comércio transatlântico de escravizados. Começando em terra, passando por um navio e finalizando com uma performance teatral subaquática em realidade virtual.

©Bárbara Monteiro

– Unity (Deirdre Molloy e Aurélie Capelle-Sigère @olily_44) – Decode noir/Black Atlantic

Aurélia é formada na Universidade de Paris 8 Saint Denis, instituição que viu o nascimento do hip-hop. Ela concentra a sua pesquisa nas danças urbanas, danças tradicionais africanas swing. Deirdre sempre dançou socialmente – em clubes de Nova Iorque a Sydney, Austrália, principalmente ao som de techno, house, hip-hop e dancehall. Em 2019 começou a ensinar sob a sua própria marca, Dance your Blues Away. As artistas unem as artes performativas à pesquisa acadêmica para trabalharem através de ritmos codificados na memória muscular coletiva, o corpo do Atlântico Negro toca o cosmos – passado, presente e futuro, abordando a violência invisível e contínua da fascinação por realeza e consumo ostensivo.

©Bárbara Monteiro

Nantes, 2024: a conclusão do MANIFEST

Após a primeira apresentação pública do grupo, o último dia de residência artística foi marcado por dois momentos cruciais de balanço e definição dos próximos passos com moderação de Laura Werup (Khora). 

No workshop coordenado pelos parceiros Khora e Cumediae, foram abordadas as melhores práticas de divulgação em instituições culturais e espaços artísticos. Durante a sessão, foram compartilhadas informações sobre a localização de recursos, kits de mídia e materiais para realizar a divulgação de forma independente, colaborativa ou com o auxílio de parceiros do MANIFEST. Moderada por Kathrine Fremming e Constantin van Grevenstein, a oficina culminou em um exercício de cocriação, onde artistas e parceiros trabalharam juntos para mapear contatos estratégicos visando posicionar o MANIFEST e suas obras de arte no contexto artístico de Nantes, cidade que receberá a exposição dos projetos concluídos, em 2024.

“Olhando para estes dez dias de residência, agora que eles terminaram, ainda estão bem frescos na memória e, apesar de uma chuva permanente que roubou um pouco da alma lisboeta, estou seguro de que os artistas conseguiram dar mais um passo na consolidação das suas obras, na resolução de temas que ainda estavam abertos e ainda estavam a ser explorados e também na interiorização da perspetiva do público”, acrescenta Tiago Sigorelho.

Todos os 22 artistas, sem exceção, consideram este período em que estiveram juntos novamente, crucial para potenciar os seus trabalhos, seja através das trocas diárias que tinham entre si, dos inputs recebidos por especialistas, seja no contato com a herança da presença africana em Lisboa.

“É um grupo de artistas que criou relações incríveis entre si. Tem sido muito bonito poder assistir a isso e, portanto, os desafios a manter essa sinergia durante o próximo ano e dar-lhes todo o apoio que eles precisarem nestes próximos passos”, conclui Clara Amante.

Os 12 projetos continuarão a ser acompanhados pelos parceiros que compõem o consórcio e até à data da exposição final, em Nantes, os artistas serão estimulados a concluir as suas obras de artes e a pensarem na sua sobrevivência depois do MANIFEST.

Texto de Amina Bawa
Fotografias de Bárbara Monteiro e David Cachopo

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