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Patrícia Dias: “Acho que a instabilidade laboral nos leva cada vez mais a adiar [a gravidez]”

A Academia Gerador realizou, em 2021, um estudo em que questionou os portugueses sobre quais…

Texto de Isabel Marques

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A Academia Gerador realizou, em 2021, um estudo em que questionou os portugueses sobre quais seriam as maiores dificuldades que os jovens enfrentam hoje em dia. Pedimos aos inquiridos que classificassem, numa escala de 1 a 10, em que 1 significa “nada difícil” e 10 significa “muito difícil”, as seguintes áreas: habitação; emprego; educação; família; tempo para vida social e para lazer; conexão social; e saúde mental e bem-estar.

Ao observarmos os resultados, compreendemos que os portugueses consideram que, hoje em dia, as maiores dificuldades enfrentadas pelos jovens estão relacionadas com a habitação (comprar ou alugar casa), atribuindo-lhe, em média, 8,7 pontos. Em segundo lugar, surge o emprego (conseguir autonomia financeira, trabalho estável e/ou na área de formação). De seguida, avaliada com 7,4, surge a dificuldade de conseguir constituir família.

Só depois, com classificações menores do que 7, surgem os outros aspetos: a saúde mental; a educação; o tempo para o lazer e para a vida social; e, por último, com uma classificação abaixo de 6, a conexão social.

Depois de analisarmos estes dados, o Gerador decidiu lançar uma nova rubrica investigativa, composta por 7 entrevistas, realizadas a 7 jovens diferentes. Começando hoje, no Dia Internacional da Juventude, todas as semanas iremos abordar, junto de um entrevistado, um dos temas trazidos à discussão por este questionário. Hoje, começamos com a Família.

Entre as maiores dificuldades que a população considera que a juventude enfrenta atualmente, a constituição de família surge em terceiro lugar, com uma classificação de 7,4 na média global. Esta dimensão obteve iguais valores também entre os géneros masculino e feminino, 7,4. Como é expectável, para os jovens entre 15/24 anos a pontuação é menor, 6,3, sendo que, curiosamente, os valores mais altos encontram-se entre os mais velhos, de 55 anos ou mais, que classificam esta dificuldade com uma média de 7,7.


Patrícia Dias tem 26 anos e é assistente administrativa. Nos dias de hoje, sonha em constituir família, no entanto esta é ainda uma realidade longínqua para a jovem. Apesar da estabilidade amorosa e da preparação para acolher um filho, atualmente, enfrenta dias de instabilidade e precariedade laboral.

De momento, numa nova experiência profissional, encara agora o período experimental de seis meses. Consciente de que muitas empresas optam por encerrar as portas a grávidas e a mães com filhos pequenos, teme pela gravidez e, posteriormente, pelo despedimento. Para além disso, e face à precariedade, admite não possuir tempo para se dedicar a uma criança, já que chegou muitas vezes a ficar “12 horas fora de casa ou a não saber sequer a que horário saía”.

Recentemente, para contrariar este panorama, procedeu à criação de um projeto autónomo. O objetivo é conseguir obter a sua própria independência para dar o tão desejado passo seguinte: a gravidez.

Entre risos e desabafos, o Gerador esteve à conversa com Patrícia Dias acerca dos constrangimentos de ser mãe jovem. Ao longo da conversa, Patrícia procurou ainda refletir acerca do mundo laboral, no que toca ao género feminino, e sobre as inquietações face ao aumento do número de divórcios e das famílias monoparentais.

Gerador (G.) – Patrícia, gostava que me começasses por contar há quanto tempo tens a ambição de constituir família? Já era um sonho de criança?

Patrícia Dias (P. D.) – Não e por acaso essa pergunta é engraçada! Eu sempre achei que aquela história do relógio biológico era uma treta, mas de facto não o é. Não era um sonho meu, mas também nunca fui a pessoa que dizia que não queria mesmo. Simplesmente, não sabia.

Depois comecei a namorar e tive a sorte de ter uma relação longa, que ainda dura, até aos dias de hoje, e com o tempo começou a surgir este desejo de constituir uma família com aquela pessoa.

G. – O que significa para ti o conceito de família?

P. D. – É tudo. A minha família sempre foi a minha base de suporte. Eu sempre fui muito próxima dos meus pais e dos meus avós. Depois, também tenho a sorte de vir de uma família muito jovem. A minha mãe teve-me aos 20 anos, e a minha avó também teve a minha mãe com a mesma idade. Eu cresci com essa realidade de ser muito próxima das mulheres da minha família… São muitos jovens e obviamente que a mentalidade também é diferente. Talvez por acompanhar esta ligação tão forte, de perto, vejo-me a querer ter os meus filhos agora.

G. – Por curiosidade, quantos filhos ponderas ter no futuro?

P. D. – Se não tivesse de pensar em nada, três, mas pelo menos dois. Eu sou filha única e acho que não há nenhum filho único que queira fazer isso aos filhos.

G. – Segundo os dados da Pordata, de 2018, a idade em média do primeiro filho em 1960 rondava os 25 anos, ao invés que em 2020 ronda os 31 anos. Aos 26 anos, quais são os principais condicionalismos que te impedem de dar este passo?

P. D. – Laborais, essencialmente. Eu tenho 26 anos, já trabalho há algum tempo, mas sinto sempre muita instabilidade.

O meu primeiro trabalho foi num hospital, eu trabalhava por turnos, e acho que foi o primeiro clique que eu senti. Eu trabalhava com enfermeiros, num serviço de internamento, e eu ouvia muitas vezes expressões como “ah, hoje não vou ver os meus filhos”, “hoje não sei onde os vou deixar”, “hoje estão com a minha sogra”. E eu própria vivia com os meus pais na altura, chegava a estar quatro a cinco dias sem os ver porque quando chegava a casa já estavam a dormir. E, quando eles estavam a sair, estava eu a dormir. De facto, comecei a pensar que isto hoje são os meus pais, mas um dia vão ser os meus filhos. Foi uma grande mudança porque eu desde pequena sempre achei que queria ser enfermeira, mas depois apercebi-me de que não. É que praticamente aconteceu tudo ao mesmo tempo. O momento em que comecei a trabalhar, o momento em que comecei a namorar e o momento em que comecei a desejar constituir família…. Dei por mim a pensar, várias vezes, sobre os horários de trabalho que tenho que são impensáveis para se ter um filho. Já cheguei a passar mais de 12 horas fora de casa ou a não saber sequer a que horário saía.

Ainda por cima o meu namorado, que seria o pai da criança, passa alguns dias fora, deslocado em trabalho, e seria só eu. É muito difícil dar esse passo, sabendo que não vou ter condições de levar a criança à escola, buscar a criança à escola, já ter de pensar em atividades extracurriculares, e isso faz-me muita confusão. É quase termos de depositar as crianças horas indefinidas em algum sítio porque nos é exigido cada vez mais. Por exemplo, eu hoje para sair uns 10 minutos mais cedo, para estar aqui à conversa, não ficaram assim com muita boa cara porque queriam que ficasse mais. E se fosse para ir buscar o meu filho à escola? É mesmo um grande obstáculo.

Além do mais, é tudo muito precário. Contratos curtos, trabalho temporário e, apesar de não ser legal, sabemos que ainda acontece. As pessoas ainda são dispensadas porque tiveram a audácia de engravidar, ainda nos perguntam em entrevistas se queremos ter filhos, mesmo não sendo permitido. Eu acho que a instabilidade laboral nos leva cada vez mais a adiar. No meu caso, além disso, sinto que se engravidasse agora ia ser logo despedida porque estou no meu período experimental, mas também não ia ter tempo.

G. – Sentes então que precisas de estabilidade para conseguires avançar com esse passo?

P. D. – Sim, exatamente isso! Até diria não ser despedida, mas hoje em dia os meus objetivos de vida estão muito diferentes. Tenho um projeto independente em que estou a começar a dar os primeiros passos. Consegui hoje o primeiro cliente, que é mesmo para ver se me consigo tornar o mais independente possível. Nós temos de trabalhar, mas sinto que tenho de ter alguma flexibilidade. Eu não tenho de pedir desculpa porque tenho uma consulta, não tenho de adiar uma consulta porque fui a uma no mês passado e parece mal faltar dois meses seguidos. Hoje sou só eu, mas já penso como vai ser quando tiver uma criança e de facto temos mais consultas, temos mais compromissos e depois também, por aquilo que vejo de amigas, até as próprias creches não facilitam muito… Parece que está tudo um bocadinho contra nós termos filhos, hoje em dia. A não ser que haja uma grande ajuda dos pais, dos avós, alguém que possa tomar conta das crianças… É muito difícil.

G. – Outra realidade que vale a pena observar é a questão dos divórcios, que tem vindo a aumentar exponencialmente, ao longo dos anos, e a questão das famílias monoparentais, que, na sua maioria, são mulheres. Esta é uma realidade que te inquieta? Sentes que existe um preconceito, dos portugueses, por parte das mães solteiras?

P. D. – Não creio que haja muito preconceito, pelo menos de uma forma direta, mas eu penso muito sobre isso. Gostava de dar este passo, mas com o pai da criança ao lado. Não quero ter de passar pela situação do fim de semana, na casa do pai, semana na casa da mãe… Deve ser muito pesado emocionalmente quer para os pais, quer para a criança, e isso sim é bastante assustador porque se calhar, hoje em dia, as pessoas investem menos nas relações. É quase como fast food. É quase deu, deu, não deu, não me estou para chatear. Não estão para lutar. De certeza absoluta que os nossos avós também discutiam e às vezes por coisas mínimas. Claro que há coisas imperdoáveis, mas há outras em que a lógica é só não se quererem chatear.

Infelizmente, a nossa geração está mesmo involucrada à volta do passageiro. E, sim, assusta porque um filho é para a vida. A partir do momento que tenho um filho com aquela pessoa eu sei que vou estar ligada para sempre aquela pessoa.

Atualmente, agora que penso, as mulheres solteiras são idolatradas, mas cuidado porque um pé ao lado e são julgadas.

G. – Denotas que ainda há uma pressão grande, da sociedade, perante o avançar da idade da mulher e a obrigatoriedade de ser mãe? Já vivenciaste esta situação?

P. D. – Sim! Já estou num ponto em que me estão sempre a perguntar quando é que vem o bebé… Para ser franca, se não tivesse de pôr nada em cima da mesa se calhar já estava… Aliás, a minha idade ideal era aos 25 anos, mas não. Tem de vir quando fizer sentido, mas já ouço algumas vezes e já me começa a chatear um bocadinho.

G. – Regressando agora mais um pouco ao tópico do mundo laboral… Segundo um estudo da CGTP, de 2020, as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens, sendo a diferença de 14 %, na generalidade, e de 26,1 % entre os quadros superiores. Patrícia, estando já tu inserida neste mundo laboral, enquanto assistente administrativa, denotas que ainda existe uma discriminação de género no mundo de trabalho em Portugal?

P. D. – É daquelas situações que felizmente nunca a vivi, mas tenho perfeita consciência de que isso ainda existe e até já ouvi alguns comentários de pessoas a achar normal a mulher receber menos. Há muitas pessoas que acham aceitável a ideia de que a mulher merece ser menos renumerada.

Pessoalmente, tive mesmo a sorte de nunca ter sentido isso, muito provavelmente, por nunca ter ocupado um cargo de topo, mas pelo contrário, dos trabalhos que tive, até sentia que me pagavam justamente.

G. – Nesta linha de pensamento, ainda, há muitas empresas que optam por fechar as portas a grávidas e a mães com filhos pequenos. Este é um dilema que refletes, no dia a dia, quando pensas em ser mãe?

P. D. – Sim, sem dúvida! Ainda é uma pergunta na hora de entrada do mercado de trabalho. E a resposta certa, e se queres ficar com o emprego, é não. Agora, a resposta justa é mesmo não tem nada que ver com isso. Por exemplo, na empresa privada onde trabalho deram-me um período experimental de seis meses, ou seja, são seis meses em que se alguma coisa acontecer posso mesmo a vir ser despedida. Recentemente, ouvi dizer que vão despedir uma pessoa porque está com a covid, e isso é chato no período experimental… Portanto, imagina se eu engravidasse… É muito essa questão que cai mal aos patrões porque vai para casa, porque é preciso substituir, porque tem de amamentar…

G. – Face a este panorama, por onde pode passar a solução?

P. D. – Mudar o pensamento seria o essencial. Não cultivar a necessidade de se fazer horas extra e o não levar a mal o ter de sair no fim do horário de trabalho. É algo que tenho sentido muito. Parece mal ter compromissos, parece mal chegar à hora de sair e dizer que não podes ficar mais tempo, parece mal ficar doente…. Parece quase uma hipótese descartável a de ter filhos.


Ficha Técnica
O universo do estudo é constituído por indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos, residentes em Portugal continental e ilhas. A amostra, com 1200 entrevistas validadas, foi estratificada por região, sexo e escalão etário, em Portugal continental, e por ilhas, e distribuída em cada estrato de acordo com a repartição da população alvo em cada estrato. As entrevistas foram realizadas de 22 de março a 27 de abril de 2021, através de um questionário online utilizando o método CAWI (Computer Assisted Web Interview). Os resultados são apresentados com um nível de confiança de 95 %. A margem de erro para a média na escala 1 a 10 é de 0,13 pontos e a margem de erro para a proporção é de 2,12 pontos percentuais.

Texto de Isabel Marques
Fotografia da cortesia de Patrícia Dias

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