Uma ocupação militar é por inerência um sistema de domínio violento que fará tudo o que for preciso, recorrendo à pura força bruta, para se manter e proteger. No caso de Israel, a ocupação adaptou-se eficazmente a cada passo, de forma a permanecer sustentável. Mas o seu objectivo sempre foi claro: manter-se viva e continuar a dominar os territórios ocupados e respectiva população palestiniana.
Em 2017, para assinalar o quinquagésimo aniversário da ocupação, a Breaking the Silence – uma organização de antigos soldados das Forças de Defesa de Israel que procuram tornar clara a realidade da ocupação – propôs-se entrevistar veteranos que haviam cumprido o serviço militar nos territórios ocupados desde o início da ocupação, em 1967. Queríamos compreender melhor e contextualizar historicamente a realidade quotidiana no terreno. Essa tarefa ambiciosa situava-se bem para lá do alcance daquilo que a organização – que, até então, apenas recolhera testemunhos do ano 2000 em diante – alguma vez fizera.
Os testemunhos posteriores a 2000 que a Breaking the Silence recolhera espelhavam a visão do mundo da Segunda Intifada do então chefe do Estado-Maior Moshe Ya’alon, que falou em “abrasar a consciência dos palestinianos”, de forma a recordá-los constantemente da presença das Forças de Defesa de Israel, a fazê-los sentir que eram permanentemente observados e escutados, para não pensarem em rebelar-se. Foi de acordo com essa lógica que os nossos soldados fizeram rusgas nas casas palestinianas na calada da noite, estabeleceram barricadas aleatórias e colocaram aldeias sob recolher obrigatório. O que nos espantou ao entrevistar os veteranos mais velhos foi como a mesma lógica foi empregue desde o primeiro dia. As centenas de horas de gravações feitas pela Breaking the Silence – que acabaram por dar origem a The First 54 Years – An Abbreviated Manual for Military Occupation – mostraram que a ideia de “abrasar a consciência dos palestinianos” não era nada de novo. A cruzada de Israel para esmagar qualquer possível resistência obliterando todos os vestígios da identidade nacional palestiniana – seja forçando os palestinianos a arriar a sua bandeira nacional, seja através do emprego de castigos colectivos, para os voltar uns contra os outros – fazia parte dos nossos esforços para assegurar o domínio desde o início.
À medida que a ocupação prossegue e Israel é mais bem-sucedido a entrincheirar a sua existência como uma realidade permanente – uma anexação de facto –, tornou-se claro, quando montei o quebra-cabeças dos testemunhos, que os soldados enviados actualmente para impor essa realidade o fazem uma ou talvez mesmo duas gerações após os seus antecessores, mas ainda assim são enviados para cumprir as mesmas ordens. Como está na sua natureza, a ocupação adaptou-se aos tempos, mudou de métodos na sequência de cada uma das intifadas e das várias rondas de negociação, mas a missão de base – fazer com que os palestinianos sintam permanentemente o nosso domínio total sobre as suas vidas – permanece. Tal como passámos os últimos 54 anos a abrasar a consciência dos palestinianos para aceitarem a nossa autoridade, abrasámos a nossa própria consciência ao fazê-lo, criando uma tradição israelita de ser o ocupante, uma tradição passada de pai para filho de proteger e defender a ditadura militar nos territórios.
Shlomo Gazit, o primeiro Coordenador de Actividades Governamentais nos Territórios, morreu no ano passado com 94 anos. No filme, fala da destruição de casas palestinianas em campos de refugiados na Faixa de Gaza, para criar estradas que facilitem o acesso às Forças de Defesa de Israel. No final do filme, os mais jovens a testemunhar, que estão agora na casa dos 30, falam da destruição de casas em Gaza com o mesmo intuito.
Fecha-se o círculo da ocupação. Esta não pode nem vai acabar por si. Precisamos de quebrar o círculo e acabar com esta tradição israelita abominável.
-Sobre Avi Mograbi-
Realizador e artista nascido em 1956, estudou filosofia na Universidade de Telavive e arte na Escola de Arte Ramat Hasharon. Os seus filmes vêm analisando de forma provocadora e auto-reflexiva o conflito israelo-palestiniano, estudando e criticando os paradoxos da sociedade israelita, que celebra mitos e lendas antigas de destruição e violência ao mesmo tempo que condena os palestinianos por recorrerem a actos de violência semelhantes.