Zygmunt Bauman, em Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, afirma que “o amor e a morte (…) [são] os dois personagens principais desta história sem trama nem desfecho, mas que condensa a maior parte do som e da fúria da vida”. É porque um dia o nosso corpo é nada mais senão pó, e as nossas memórias ficam à mercê da boa-vontade de futuros seres humanos, que desejamos amar tão freneticamente como uma “fraternidade com todas as dinâmicas”, como aclamava Álvaro de Campos, heterónimo pessoano, em A Ode Triunfal.
No entanto, se pensarmos nos padrões de relacionamentos contemporâneos, que tipo de amor estamos a cultivar e a reproduzir? Que compromissos estamos realmente dispostos/as a admitir com o/a amado/a? As teias daquilo de que podemos abdicar desfazem-se, mas não somos aranhas habilidosas que, com trabalho árduo, as tornam a construir na perfeição. Preferimos novos investimentos, esquecendo as promessas do passado que, um dia, deram significado à representação mental que tínhamos como amor.
Esse mesmo amor, hoje, é um processo de abandono. A tendência é abandonar a consistência em prol da experiência. A amizade pelo abstrato romantismo, sob a capa de uma superioridade – “é «só» um/a amigo/a ou é mais do que isso?”, questionamos nas nossas lógicas hierárquicas que, essas sim, não conseguimos deitar por terra. Somos mais ativos/as, curiosos/as e criativos/as na sexualidade – geramos relações com pessoas do mesmo sexo, há quem se veja mesmo como assexual ou arromântico/a, adquirimos objetos dos mais variados estilos para estimular o prazer e a originalidade na atividade sexual. Não obstante, que valor passa ter a variável do tempo? Num mesmo período temporal, torna-se mais importante diversificar as sensações ou construir uma fidelidade duradoura?
Só cada um/a pode responder por si. Contudo, o que podemos claramente observar é que o amor se tornou num negócio. Económico, claro, quer no meio físico, quer no digital. Mas também um negócio cultural. E os piores negócios são aqueles cujo reverso da moeda se vira contra nós. Quem já sofreu de revenge porn ou de abuso sexual baseado em imagens que o diga (se se sentir preparado/a para o fazer). Uma exportação e uma importação de segredos, de chantagens, visando o lucro emocional. A dominação, mais do que simbólica, explícita. O poder sobre alguém.
Mas dominar é estúpido no amor. Não é racional, logo, não é amoroso. É que amar implica muitas vezes pensar com a cabeça. Só assim se consegue valorizar a emoção. Também obriga a pensar na emoção como forma de se ser racional. No amor funciona tudo ao contrário para, desse modo, atingir-se o nível correto. Daí que se torne o núcleo do sentimento. De um modo de sentir diferente (pior ou melhor, dependerá…). Que precisamos de conhecer sob pena de não conhecermos o próprio mundo. De não nos conhecermos a nós mesmos/as.
Vinicius de Moraes terá dito um dia: “Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido”. Os risos e os sorrisos de quem, desbravando tempestades e perigos, encontra um segundo coração e com ele consegue partilhar casa são incontestáveis. Pelo bem da nossa expectativa de vida, larguemos a violência e a indiferença e fabriquemos horizontes de intimidade.