Queria permitir-me a liberdade de viver em desembraio. Sentir relaxadamente o amanhecer de cada dia. Mas não, vivo uma falsa intensidade, sem nexo, que me devora. Tendo por base esses factos, é tudo senão preocupante. Ter uma ou duas, três patologias, as cronicidades das mesmas poderiam alertar que hoje "I breathe", amanhã “maybe not”. “Chilly” devia ser o meu café. A história como sempre defendida por Norbert Elias, e não só, teve marcos importantes; a movimentação no espaço social de Bourdieu e a educação primária cavaram um túnel gigantesco no meu "self". Vivi, como diz Giddens, uma modernidade tardia. A busca pelas respostas, soluções, levaram-me às análises freudianas. Frustrações, desilusões, fraquezas, inseguranças, passaram a ser as minhas 24 horas, durante muitos 365 dias. Fui "pioneiro" da modernidade reflexiva que assisto à minha volta.
Destarte, envolvo-me nas questões sociais porque tanto aprendo a sua “fundação” como evidencio testemunhalmente que aquilo que devemos não fazer é precisamente o que fazemos. A teoria de que todos partimos com os mesmos direitos e as mesmas igualdades é uma falácia. Numa sala de aulas, o aluno mais perto do cesto de papéis é o que acerta mais vezes quando atira uma bola de papel. A desigualdade também faz parte da escola. Nem todos partem com as mesmas capacidades: a meritocracia muitas das vezes assenta em falsos moralismos como apregoa o mérito ideológico em vez do académico. Amiúde, o sucesso escolar traduz-se muito mais nas identificações emocional e cultural com um professor (e vice-versa), e o que elas representam, do que propriamente no atingir de um nível de instrução e conhecimento. Acredito muito nesta visão parsoniana. Do que adianta termos um aluno de distinção máxima quando o seu futuro social se der ao nível de um indivíduo que detesta a escola? Pensem nisso.
Já Robert Merton afirmava que uma definição inicialmente falsa de uma situação projeta e gera comportamentos, fazendo com que aquela ideia falsa, no fim, se torne verdadeira. Isto acontece na escola por definições instantâneas que fazemos dos demais e pela falta de interação social ou do interacionismo simbólico definido por Blumer, isto é, a forma como não devíamos apenas reagir avulsamente às ações uns dos outros, mas sim interpretar essas mesmas ações e as definições que lhes atribuímos mutuamente.
Dessa forma, na inclusão, todo um sistema falha. Somos todos “iguais” à partida, mas também todos diferentes. Entristece a minha alma quando o objeto físico (corporal visível) evidencia lacunas e até deficiências. Não há que ter pena, apenas constatar que existem barreiras, nomeadamente ao nível educacional. Afinal, não partimos todos do mesmo patamar, mas o mérito é-nos exigido da mesma forma que aos que não têm barreiras – devido ao “plano traçado” do ensino. Já ouvi tantas vezes esta frase que, de facto, a profecia autorrealizável se concretiza (não deveria). Se o visível entristece a minha alma, já o não visível me derrota. Falo por experiência própria. Aquilo que não vemos torna-nos indiferentes. Quantas vezes elaboramos atos indiferentes (por natureza) que depois, em confronto com uma nova realidade, nos coloca a pensar “que maus seres que fomos no momento”?
Pode existir, não o nego, o importante é refletir sobre a indiferença e tentar alterar os nossos processos. Gostaria que a escola também o fizesse, que percebesse que as lacunas invisíveis também existem e que também podem ser deficiências. Que provocam anseios, dores, desconforto, noites mal dormidas, dificuldade em aprender, e que o esforço triplicado para atingir a matriz moral e ideológica definida pela escola (à boa maneira parsoniana) é de um cansaço inigualável, esgotante. Tem sido uma prova de aritmética que tenho levado a conta-gotas, que precisa de maior e melhor interação e compreensão de todos. Não é ser beneficiado…. É empatia.