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A mais antiga discussão do mundo

Nas Vozes Coletivas de hoje, a Catarina e a Iolanda do Movimento Democrático de Mulheres entram na discussão mais antiga do mundo, reflectindo sobre a importância de olhar para as categorias com um olhar materialista na análise das questões sociais.

E cá vamos nós, novamente, discutir o direito ao lucro através da exploração sexual. É, objetivamente, isto que se discute. Não é possível debater a legalização de algo que não é ilegal, apenas podemos fazê-lo quanto ao que é ilegal. Em Portugal, não é a prostituição que é ilegal, mas sim o lenocínio. Poderão alguns argumentar que o lucro através da exploração acontece em muitas outras profissões. No entanto, exploração laboral não é exploração sexual e parece-nos consensual a ideia de que ambas devem ser abolidas. (Tal como nos parece consensual a ideia de que a abolição da escravatura não passava pela sua regulamentação. Mas avancemos.) 

Se utilizarmos as categorias existentes com um olhar materialista, é fácil entender que dentro do que configura a categoria “trabalho” (no conjunto de direitos, proteções e definição) não cabem nela subcategorias que atentam contra as proteções e significação da mesma. Neste sentido, sendo a exploração sexual de outros, bem como a prostituição em si, fenómenos que ferem a dignidade humana ou resultam de profundas desigualdades sociais, não podem corresponder à categoria de trabalho, nem a uma subcategoria do mesmo (trabalho sexual). Vejamos o seguinte exemplo: uma criança não pode trabalhar. Empregar uma criança não configura uma subcategoria de trabalho (trabalho infantil, entenda-se o paralelismo), nem pode configurar nenhuma outra coisa a não ser “exploração infantil”. 

Com o 25 de Abril terminou o proibicionismo: penalização moralista das mulheres prostituídas. Nos anos 80, Portugal assinou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), que prevê que os Estados Partes tomem medidas apropriadas, “incluindo disposições legislativas, para suprimir todas as formas de tráfico das mulheres e de exploração da prostituição das mulheres”. Por aqui passam os programas de saída (basilares de um modelo abolicionista) que nunca foram efetivados. Em especial nas últimas décadas, os sinais de um retrocesso político têm-se tornado evidentes. No início de Maio, algumas notícias lançaram de novo a confusão tentando validar a legalização do crime de lenocínio. No argumento utilizado, a liberdade de lucrar com a exploração na prostituição sobrepõe-se à dignidade da pessoa humana. Como é que chegamos a este ponto de normalização de uma violência inqualificável? 

Em 2017, a Associação ComuniDária fez chegar à Assembleia da República uma petição que visava a legalização da prostituição, sustentando a falsa ideia de que isso traria maior segurança às pessoas prostituídas. Os resultados nefastos da legalização da prostituição na Holanda e na Alemanha são prova irrefutável de que este argumento é falacioso. 

Em 2018, movimentos de mulheres (dos quais destacamos o MDM) conseguiram reverter com sucesso a criação de uma “Plataforma Municipal para o Trabalho Sexual” em Lisboa. Porque procurou a Câmara de Lisboa normalizar a prostituição ao invés de usar os seus recursos para proteger as mulheres? Que interesses falaram mais alto? 

Em 2020, a entrada na Assembleia da República da petição protagonizada pela proxeneta Ana Loureiro reacendeu o debate público através do pedido: Legalização da Prostituição em Portugal e/ou Despenalização de Lenocínio, desde que este não seja por coacção”. O MDM

relembrou a inevitável correlação entre a coacção e o lenocínio. A proposta foi apreciada e discutida em 2022, arquivada e a peticionária detida pelos seus crimes. 

Em 2022, aquando da submissão de propostas de alteração ao Orçamento de Estado de 2023 na Assembleia da República, o Livre teve aprovado um livro branco sobre “trabalho sexual” e prostituição, que propõe identificar caminhos de regulamentação. Lembramos que o modelo Português é considerado semi-abolicionista, porque os governos PS/PSD não tiveram interesse em aplicar os mecanismo de saída da prostituição para quem assim o deseje. Porquê a procura de outra resposta, sem efetivar a que temos à nossa frente? Qual é o objetivo de regulamentar a prostituição num país em que esta está despenalizada? Quando é que uma lógica capitalista e individualista favoreceu as mulheres? 

Numa sociedade igualitária, o corpo da mulher não será visto como uma mercadoria passível de ser comprada. O MDM é intransigente: não marchamos ao lado de proxenetas! Solidarizamo-nos com as milhares de mulheres e meninas vítimas de uma sociedade negligente que, empurrando-as para a pobreza e ausência de alternativas, as empurra também para a prostituição como única forma de sobrevivência. O MDM está com todas elas na luta pela dignidade humana. Solidarizamo-nos com as vítimas de tráfico de seres humanos (TSH) para fins sexuais, representando as mulheres 83% e as meninas 72% das pessoas apanhadas em redes de TSH. Neste sentido, o MDM desenvolveu uma aplicação — ACT agir contra o tráfico de seres humanos — que visa informar e capacitar os utilizadores para a sinalização e denúncia de situações de TSH e que pode ser descarregada gratuitamente. O MDM continuará a lutar com o mesmo empenho junto das mulheres trabalhadoras e daquelas cuja voz tentam calar.

-Sobre Movimento Democrático de Mulheres-

Catarina Alves é fotógrafa, licenciada em Línguas, Literaturas e Culturas (FLUP, 2016) e mestranda em Estudos Editoriais. Iolanda Oliveira é licenciada em Biotecnologia (IPVC, 2019) e frequenta a licenciatura de Línguas, Literaturas e Culturas da FLUP. São membros do Movimento Democrático de Mulheres, integrando o seu Conselho Nacional desde 2022. Fundado ainda durante o fascismo, em 1968, o MDM  é um movimento de opinião e intervenção e uma das mais antigas organizações de mulheres do país. Marcado pelos ideais de luta de mulheres antifascistas, progressistas e revolucionárias, radica a sua ação na luta pela emancipação das Mulheres, pela paz e dignidade humana.

Imagem de @dasirotkina
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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