A casa tem uma latada enorme à frente, entre nós e o rio. Era preciso tratar dela, tive de chamar o senhor Zé, que sempre tratou dela, muitos anos antes de nós existirmos. Aprendi assim uma grande lição de vida, quando após a poda comecei a ver que a Videira deitava água e não percebia de onde vinha, só mais tarde entendi que as videiras choravam, fiquei tão alegre nesse dia. Percebi organicamente o que queriam dizer as pessoas quando cantavam: "Chora a Videira".
Uma das videiras tem mais de 200 anos, diz o senhor Zé, pensava ele que estava toda seca, o incêndio de 14 de Outubro de 2017 passou por lá a casa safou-se porque o terreno estava limpo, foi como inferno diz ele, mas a videira lá tinha uma vida tão forte, que se safou. Outras três plantou ele há mais de 15 anos, morangueira. Mas decidimos plantar mais 4, a latada tem espaço, comprámos 3 tintas cardinal e 3 brancas moscatel. De tarde limpamos as ervas e plantamos as novas. Fui com ele aos viveiros para as comprar no caminho fui guiado pelas casas, as que eram de estrangeiros, as que arderam, pelas várias povoações até Poiares.
Num determinado momento duas grandes vivendas, muito barrocas se erguiam, são de ingleses disse ele, olhe ali para o meio e parou a carrinha de caixa aberta de 1994, olhe bem! E eu vi com admiração, um barco enorme que parecia um iate, erguia-se em género de estátua pelo meio dos eucaliptos. No regresso abrandou de novo a carrinha olhou para o meu lado como se eu não estivesse lá, o que me diz daquelas oliveiras, eu fiquei meio perdido à procura, lá percebi o que queria observar, quis dizer-lhe que me lembravam o "Eduardo mãos de tesoura", mas achei que ele não ia perceber a referência. Lá lhe disse que eram estranhas, fui eu que fiz disse ele todo orgulhoso. O verdadeiro trabalho humano sobre a natureza, a capacidade de a poder esculpir. Os jardineiros da paisagem como diz o Álvaro Domingues.
-Sobre Tiago Pereira-
Realizador, documentarista, radialista e visualista, Tiago Pereira tem promovido e divulgado a música portuguesa, como mentor e diretor do projeto: "A música portuguesa a gostar dela própria", em várias direções, tornando-se um ativista, defensor da memória coletiva e tradição oral, realizando filmes, séries documentais, programas de rádio, programação musical e de eventos sobre o tema da cultura popular. Tem como principal objectivo a procura de outra música, mais amadora e pouco divulgada, mais concentrada na interpretação e nas pessoas, do que no seu repertório ou no seu estudo, para que depois se disponibilizem as gravações dessa música, para estudo, fruição geral ou utilização artística. Considera que o seu trabalho deve honrar quem grava, tentando chegar ao maior número de públicos possíveis, de várias formas e meios diferentes. Tendo sempre a atenção que o foco não pode estar no mensageiro, mas sim na mensagem, na necessidade de educar, consciencializar para a importância cultural e social de conhecer, estar, partilhar e dar a conhecer pessoas que têm conhecimentos únicos e formas de vida muito suas. Fazer entender que cada pessoa tem a sua história e que deve ter um espaço para a partilhar com dignidade.Essa partilha, essa escuta é que nos pode ajudar a todos, a sermos melhores e a pensarmos melhor o mundo e a sociedade.