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Bitaites da Resistência: A classe da esquerda que vota na extrema-direita

*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador 37. Quem é a classe…

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*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador 37.

Quem é a classe da esquerda? Porque é que vota na extrema-direita?

Falamos muitas vezes do privilégio do homem branco, que é uma realidade, mas muitos (homens) brancos não se sentem privilegiados, nem entendem esse privilégio. Isto porque às vezes (muitas vezes) nos esquecemos de um dos três pilares que considero serem chave da interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Os três pilares são, como Angela Davis tão bem descreve, o género, a raça e a classe. Aquele que muitas vezes esquecemos, que é o menos sexy, e que tantas vezes negligenciamos nos nossos discursos é, evidentemente, a classe.

«A esquerda não pode ser uma religião que deixa de ser prosélita», disse Daniel Oliveira (aquele que não faz chorar) no lançamento do livro Processo de Humanização em Curso, de Diogo Faro, em que, a propósito desta mesma reflexão sobre classe, recomendou a leitura do livro Regresso a Reims, de Didier Eribon. Como o livro explica e bem, de uma forma muito simplista, historicamente (e que ainda se verifica) uma das grandes diferenças entre a esquerda e a direita é que a direita acredita que o privilégio resulta do mérito, e a esquerda sabe que o privilégio nunca resultou do mérito.

Por isso, a esquerda não pode deixar de querer «persuadir» o outro para construir maiorias sociais, nem pode «excluir» aquilo (ou aquele) que não cumpre com todos os requisitos da sua visão progressista. Isso, a meu ver, é contraproducente em relação àquela que é uma das principais razões para eu ser de esquerda: a desconstrução das relações de opressão e privilégio.

Isto é, se a esquerda quer ser «a voz do povo» (como eu acredito que é e sempre foi), então tem de aceitar o povo como ele o é: uma classe operária, pobre, ainda com medo que as novas «bandeiras» (orientação sexual, igualdade de género, combate ao racismo, integração de refugiados e migrantes, etc.) desviem o foco para a sua opressão de classe e que, por isso, as rejeite.

Não é que essas pessoas (mulheres, homossexuais, pessoas racializadas, migrantes, refugiados, etc.) não existissem antes. Existiam. Mas a sua luta política, bem como o progresso dos seus direitos, era alavancada com a luta de classes.
Hoje, e felizmente, ganharam espaço, força de mobilização, têm a sua voz, e fazem parte do centro da agenda política. Ao mesmo tempo, e como considero natural, essa mudança causou uma reacção (ou resistência).

Sempre que um poder que já existia é ameaçado (como o poder da classe operária, seja ele muito ou pouco), existe uma reacção. Dizer que essa reacção é natural não é «desculpar» os preconceitos que nela possam existir, mas sim entender as origens e os medos que a alimentam.

É também deste medo que surge este aumento de votos por uma extrema-direita populista. É uma grande parte da classe pobre e operária que já não se sente representada pela sua esquerda. As pessoas, o povo, já não se sentem representados por uma esquerda de ativistas que lutam pelas suas bandeiras e se esquecem de falar de classe, da pobreza, da exploração capitalista, dos operários, dos falsos recibos verdes. E sim, isso inclui também estar a defender direitos de pessoas que podem ter discursos homofóbicos, racistas ou machistas. Eu sei que é frustrante ler esta última frase. Acreditem que também me causa angústia e ansiedade. Mas, com algum distanciamento, consigo entender que muitos desses discursos vêm de sentirem que perderam voz para estas novas identidades politicas. É entender que «o povo» pelo qual lutamos pode não cumprir todos os nossos requisitos (ser feminista, ser pró-direitos LGBTQIA+, ser antirracista, etc.), mas isso é um reflexo da nossa posição de privilégio de classe. Provavelmente muitas dessas pessoas não tiveram acesso à mesma educação para a diversidade que nós tivemos, não têm acesso à mesma informação, e vivem com problemas muitos mais próximos (como «meter pão na mesa») no seu dia a dia.

É importante mostrarmos que não é uma questão de essas «agendas» se anularem, ameaçarem ou ganharem maior importância em relação às outras, até porque estão profundamente ligadas e não se pode gerar uma mudança realmente significativa numa sem entender e integrar a outra.

É impossível gerar uma mudança realmente significativa no progresso da igualdade de género, sem ter em conta a raça, e vice-versa. É impossível gerar uma mudança realmente significativa no progresso dos direitos da comunidade LGBTQIA+, sem ter em conta a classe, e vice-versa. E poderia continuar por aí.

Tenho pensado muito em como é que podemos cumprir da melhor forma os valores da sororidade, da união e da solidariedade. Acredito que uma das coisas que temos de trabalhar (todos e todas, em geral) é na desromantização da nossa luta por um mundo melhor. Não se trata de ocupar lugares de fala que não são nossos. E não quero com isto apelar a nenhuma benevolência a discursos de ódio, por exemplo.

Temos de entender que, em sociedade, não nos representamos apenas a nós próprios.

Precisamos de um discurso unificador.

Não chega cada um de nós lutar apenas pela sua própria identidade.

Não chega lutarmos pela inclusão, excluindo.

Temos pressa, muita pressa, e bem, mas não podemos deixar ninguém para trás.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre a Carolina Pereira-

Carolina Salgueiro Pereira é uma ativista na área dos direitos humanos, feminismo e media, tanto no terreno, como fazendo uso das histórias para motivar a mudança e organizar movimentos grassroot. É a fundadora do movimento da ONU Mulheres HeForShe em Portugal, que mobiliza os jovens para promover a igualdade de género e os direitos das mulheres e das comunidades LGBTQI+. É a Co-Diretora da Sathyam Project, na Índia, uma organização que apoia raparigas e mulheres através da educação, ajudando a quebrar ciclos de pobreza. Carolina é também uma Global Shaper do Fórum Económico Mundial, liderando campanhas LGBTQ+ e estando envolvida numa série de outras iniciativas com instituições como as Nações Unidas, o Parlamento Europeu ou a Right Livelihood Foundation. Sempre a tentar fazer o mundo um pouco melhor. E sempre melhor a fazer isso.

Texto de Carolina Pereira
Fotografia de Ricardo Silva
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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