fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Bitaites da Resistência: É cis-tematicamente a mesma coisa

*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador 35. É muito mau que…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador 35.

É muito mau que a segunda crónica desta nova rubrica seja um desabafo?

Este não é um texto «apenas» sobre igualdade de género, direitos humanos, e outras questões relacionadas. É um texto sobre o que é normal, e sobre as coisas que acontecem «naturalmente».

Estou sentada a pensar no que escrever e sinto-me completamente perdida. Não sei qual é «o tema mais importante» para falar neste momento. Existem tantas coisas às quais queria dar voz, tantas frentes urgentes de serem trabalhadas.

O que é que as pessoas estão à espera de ler? O que é que será que não tem sido falado e eu poderia amplificar de alguma forma?

Estive aqui uns trinta minutos a pensar, a murmurar, a fazer listas, e a tentar ser o máximo racional possível: fui rever textos que escrevi, ler alguns dos comentários, analisar o retorno que tiveram das pessoas, e depois repeti o processo e fui ler e analisar artigos de colegas ativistas, bem como os comentários ou o retorno que tiveram aos seus textos. Pensei no que tem acontecido politicamente (por «politicamente», diga-se, na vida) e, entre outras ilações, reparei num certo padrão que surge quando escrevemos, seja sobre aquilo que for: muitas pessoas acham sempre que tudo se resolve «naturalmente».

Existe esta ideia de que as coisas, falando de direitos humanos e de progresso (seja esse progresso diferente para cada um), acontecem espontaneamente. Ou seja, para muitos, nem seria preciso falar delas. Para muitos, este nosso exercício de reflexão, contextualização e consciencialização sobre um problema é completamente obsoleto.

Cisgénero (Cis) é o termo utilizado para se referir ao indivíduo que se identifica, em todos os aspetos, com o seu «género de nascença», e este título não é – em nada – uma crítica a essas pessoas. Estou a manipular esta referência em tom de trocadilho para aquilo que se acredita acontecer «naturalmente», em todos os aspetos, na sociedade.

Se há coisa que acredito que posso falar em nome de muitos ativistas, empreendedores sociais, ou qualquer pessoa que se dedique a gerar mudança, de várias ideologias diferentes, é que a igualdade e a conquista de direitos humanos não acontecem naturalmente. Lamento. Falo a sério quando digo que lamento.

Quem nos dera que fosse tão natural quanto parece!

Os direitos humanos, infelizmente, não são – naturalmente – garantidos por sistema.

Quando falamos de conquistas de direitos humanos, todos os anos são importantes.

A sociedade tende a sobrestimar o que deveria estar a acontecer a curto prazo e subestimar os resultados da consistência a longo prazo.

Ou seja, nada daquilo que milhares de pessoas estão a fazer faz diferença (porque deveríamos estar a ver muito mais resultados) mas, depois, «de repente» e «naturalmente», as coisas mudam.

Assustam-se quando falamos em mudar sistemas. Na visão de quem «vê de fora», falar de mudar sistemas ou olhar para os problemas de uma forma sistémica, é forçar uma mudança. Não há necessidade de se falar tanto sobre determinados temas porque, se os problemas são gradualmente mais pequenos, é porque as coisas têm evoluído espontaneamente.

Acredito que mudar sistemas e olhar para as causas de uma perspetiva intersecional, é uma boa forma de criar condições para que a igualdade surja «naturalmente». Para que os diferentes progressos sociais aconteçam, é preciso mudar sistemas que não estão a permitir que isso aconteça por si só.

As soluções surgem de mobilização, de garantir que os temas continuam nas agendas nacionais (e internacionais), de ouvir quem sofre diretamente diferentes opressões ao invés de «continuar» a silenciar esses grupos, de desenhar propostas em conjunto, de fazer pressão nas lideranças, de entender os bloqueios no sistema que permitem e alavancam desigualdades. Para isso, é preciso continuar a falar e consciencializar.

Outro dos argumentos que algumas pessoas usam para embatucar quem trabalha nestas áreas, sempre que escrevemos sobre alguma coisa que nos preocupa, é o argumento 'Whataboutism' (que é uma variante da falácia formal 'tu quoque' em que se tenta desacreditar a posição do argumentador ao acusá-lo de hipocrisia sem refutar o seu argumento). Ou seja, quando tentamos amplificar e fortalecer os movimentos pelos direitos das mulheres, argumentam que, «por exemplo», deveríamos estar a falar de antirracismo, mas se falarmos de antirracismo argumentam que nos deveríamos estar a preocupar mais com a justiça climática. Sempre sem entender como é que as três coisas estão fortemente ligadas, sistemicamente.

A mudança não é individual, é coletiva. Todos os dias, de todos os anos importam.

Este ano, de 2021, vai ser mais um ano em que é preciso tudo ao mesmo tempo.

É preciso sair às ruas, mas também educar. É preciso denunciar, mas apresentar soluções.

É preciso mostrar qual é o caminho que podemos fazer todos juntos, garantindo que não deixamos ninguém para trás.

Porque, se não o fizermos, vai ser sistematicamente a mesma coisa.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre a Carolina Pereira-

Carolina Salgueiro Pereira é uma ativista na área dos direitos humanos, feminismo e media, tanto no terreno, como fazendo uso das histórias para motivar a mudança e organizar movimentos grassroot. É a fundadora do movimento da ONU Mulheres HeForShe em Portugal, que mobiliza os jovens para promover a igualdade de género e os direitos das mulheres e das comunidades LGBTQI+. É a Co-Diretora da Sathyam Project, na Índia, uma organização que apoia raparigas e mulheres através da educação, ajudando a quebrar ciclos de pobreza. Carolina é também uma Global Shaper do Fórum Económico Mundial, liderando campanhas LGBTQ+ e estando envolvida numa série de outras iniciativas com instituições como as Nações Unidas, o Parlamento Europeu ou a Right Livelihood Foundation. Sempre a tentar fazer o mundo um pouco melhor. E sempre melhor a fazer isso.

Texto de Carolina Pereira
Fotografia de Ricardo Silva
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Março 2024

Maternidades

28 Fevereiro 2024

Crise climática – votar não chega

25 Fevereiro 2024

Arquivos privados em Portugal: uma realidade negligenciada

21 Fevereiro 2024

Cristina Branco: da música por engomar

31 Janeiro 2024

Cultura e artes em 2024: as questões essenciais

18 Janeiro 2024

Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

17 Janeiro 2024

O resto é silêncio (revisitando Bernardo Sassetti)

10 Janeiro 2024

O country queer de Orville Peck

29 Dezembro 2023

Na terra dos sonhos mora um piano que afina com a voz de Jorge Palma

25 Dezembro 2023

Dos limites do humor

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

8 DE ABRIL 2024

A pobreza em Portugal: entre números crescentes e realidades encobertas

Num cenário de inflação galopante, os salários baixos e a crise da habitação deixam a nu o cenário de fragilidade social em que vivem muitas pessoas no país. O número de indivíduos em situação de pobreza tem vindo a aumentar, mas o que nos dizem exatamente esses números sobre a realidade no país? Como se mede a pobreza e de que forma ela contribuiu para outros problemas, como a exclusão social?

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0