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Bitaites da Resistência: Lentidão para mudar normalmente significa medo do novo

*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador de maio. Não necessariamente, Philip…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

*Esta é uma crónica da Carolina Pereira, inicialmente publicada na Revista Gerador de maio.

Não necessariamente, Philip Crosby.

Philip Crosby é o autor da frase do título desta reflexão. O empresário e escritor estadunidense está também associado aos conceitos de «zero defeito» e de «fazer certo à primeira vez».

Admito que, para mim, é difícil ser propugnadora destas três características ao mesmo tempo: zero defeito, à primeira vez, e rápido.

Ainda se torna mais complicado de apoiar essa filosofia quando estamos a falar de Mudança – seja ela qual for, mas vamos centrar-nos na «mudança que queremos ver no mundo».

Nessa visão do que seria um mundo melhor, que difere de pessoa para pessoa ou, pelo menos, com urgências diferentes para cada um, é muito difícil chegar a conclusões com «zero defeito, à primeira». No entanto, se existe algo em que isso é possível, é no jornalismo lento.

Lentidão para mudar significa, muitas vezes, não deixar ninguém para trás nessa mudança.

Lentidão significa, em vários dicionários, falta de ligeireza ou actividade no movimento.

É desta falta de ligeireza que o jornalismo precisa. Aliás, diria até que precisamos todos.

Quando Helen Boaden renunciou à direcção da rádio da emissora britânica BBC, um dos argumentos que partilhou foi a necessidade de existir mais «jornalismo lento» (slow journalism) em alternativa à corrida entre a maioria dos órgãos de comunicação social em ser os primeiros a dar uma notícia.

O jornalismo é, ao mesmo tempo, quem informa e influencia todas e todos nós a tomarmos posições e fazer julgamentos sobre aquilo que achamos estar certo ou errado.

A democracia acontece, cada vez mais, nos ecrãs.

Os meios de comunicação tornaram-se cada vez mais poderosos e um ponto de viragem para movimentos sociais e políticos. Eleger representantes, participar em campanhas, apoiar e mobilizar para protestos, entender e debater causas, direitos e injustiças são tudo acções informadas por imagens, sons e palavras emitidos por ecrãs grandes e pequenos.

No entanto, esta rapidez do jornalismo não permite «zero defeito, à primeira», como também não nos nutre de mais conhecimento, nem nos leva a uma opinião mais fundamentada.

Uma mesma notícia é retransmitida várias vezes no mesmo dia, com raras actualizações, levando-nos a achar que a repetição é sinónimo de relevância.

Para as redacções, a repetição é um recurso para encher espaços na transmissão e não ficar atrás dos concorrentes, o que acaba por padronizar quase todos os «jornais informativos», independente da emissora, redacção ou dos editores.

Muitas vezes, é uma falsa sensação de informação, embora isso não retire em nada a importância da comunicação e do jornalismo.

É exactamente por isso que ter esta conversa é relevante.

Desde o #MeToo, #TimesUp, #GreveClimaticaEstudantil, #NeverAgain e #BlackLivesMatter, todos estes movimentos são reconhecidos, cresceram e mobilizaram milhões de pessoas dos quatro cantos do mundo, devido ao poder que a comunicação tem em amplificar estas histórias. Fenómenos como Greta Thunberg e a sua escala para um movimento global de #GreveClimaticaEstudantil são, sem dúvida, criados pela força da comunicação. Os media (no seu sentido mais lato) são, em muitos aspectos, a alma de tais movimentos.

Mas esta «informação por impulso», em que o leitor (ou espectador) é levado a uma montanha-russa de notícias, na qual cada um de nós só capta aquelas que despertam os impulsos emocionais (rejeição, empatia, raiva, admiração, etc.) individuais, só nos leva a uma grande redução da nossa capacidade de reflexão, especialmente nas questões mais complexas, como a mudança e o mundo para o qual queremos caminhar.

A dificuldade ou incapacidade de assimilar esta avalancha de notícias gera angústia informativa, faz-nos querer afastar «do mundo das notícias», faz-nos sentir cansadas, e sem força, vontade ou capacidade de entender e reflectir sobre questões complicadas.

Também por estas razões, por tomarmos posições e julgarmos com base em impulsos emocionais rápidos e com pouca profundidade, assistimos – cada vez mais – a um aumento da polarização na sociedade.

Nesta tentativa de um jornalismo «zero defeito, à primeira vez, e rápido», perdemos todos.

Mas, acima de tudo, perde quem sofre com os problemas, que julgo – muitos –, queremos ver resolvidos; perde a democracia; e perde a mudança. Na verdade, perdemo-nos todos um bocadinho no meio disto.

Uma das razões para o crescimento da polarização numa sociedade é a falta de tempo e acesso à informação para uma reflexão com profundidade.

Muitos de nós, várias vezes, concordamos com algumas ideias básicas como «todas as pessoas devem nascer com iguais direitos humanos» e concordamos que ainda não é uma realidade. Mas, quando começamos a aprofundar o meio para chegar a esse fim, começamos a discordar… e está (ou deveria de estar) tudo bem até aí.

Começa a não estar tudo bem quando – quase – todas as discussões e debates acabam em estradas sem saída, e as pessoas são arquivadas com «impossível entendimento», porque, por falta de tempo e informação, não tivemos diversidade nos nossos argumentos e capacidade de reflectir sobre determinado assunto que mexe com as nossas emoções.

O jornalismo lento é esta oportunidade de sabermos mais. É uma oportunidade de entendimento, de chegar a conclusões e desenhar soluções, de pensar e ponderar sobre «o novo».

O mundo, e principalmente o mundo que nós queremos ver e construir em conjunto, é heterogéneo e divergente. Mas, por isso mesmo, é urgente lutar pela união.

É preciso mostrar e falar sobre qual é o caminho que podemos fazer todas e todos juntos, pelos valores de Abril, garantindo que não deixamos ninguém para trás.

E, nesse cenário, lentidão para mudar normalmente significa esperança no novo.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre a Carolina Pereira-

Carolina Salgueiro Pereira é uma ativista na área dos direitos humanos, feminismo e media, tanto no terreno, como fazendo uso das histórias para motivar a mudança e organizar movimentos grassroot. É a fundadora do movimento da ONU Mulheres HeForShe em Portugal, que mobiliza os jovens para promover a igualdade de género e os direitos das mulheres e das comunidades LGBTQI+. É a Co-Diretora da Sathyam Project, na Índia, uma organização que apoia raparigas e mulheres através da educação, ajudando a quebrar ciclos de pobreza. Carolina é também uma Global Shaper do Fórum Económico Mundial, liderando campanhas LGBTQ+ e estando envolvida numa série de outras iniciativas com instituições como as Nações Unidas, o Parlamento Europeu ou a Right Livelihood Foundation. Sempre a tentar fazer o mundo um pouco melhor. E sempre melhor a fazer isso.

Texto de Carolina Pereira
Fotografia de Ricardo Silva

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