Chamam-me saudosista desde que sou adolescente. Passo os dias a recordar o passado e a querer falar do que passou, do que se disse e do que se dançou. Recordo os dias antes de hoje como os maiores que já experienciei. Sou fã de baús e guardo cartas que me escreveram pelo meu 10º aniversário. Nasci em 1992.
À luz do que se vive, e do querer — idiota — em se querer apagar 2020, creio que nos aproximamos perigosamente do fim da nostalgia. Passo a explicar:
Todos os dias alimentamos a ideia de que este ano é para apagar da nossa “timeline”. Como se, se tivéssemos que apresentar um powerpoint sobre a nossa vida, saltaríamos de 2019 para 2022. Criando assim a teoria maluca de que o número a seguir a 2019, tinha sido, desde os primórdios do tempo, 2022. E aceitaríamos todos. Como se fosse uma verdade universal. Algo factual, até. Tal o desejo incontrolável de se apagar estes números da fila.
Ora, quando apagamos espaços, pedacinhos de nós também se perdem. Nós existimos com o tempo e por vezes, fazêmo-lo em lugares. Ao insistirmos nesta ridícula ideia de fazer desaparecer os dias e os anos a seguir a 2019, criamos uma fuga para os episódios bons. Não os vivemos, não os abraçamos e não guardamos uma gaveta cá dentro, feita especialmente para eles. E, como não os amamos, como os queremos deitar para o lixo, transformamo-nos em assassinos de números. E de sítios e de comidas e de acordares e de todas as boas noites que demos antes de apagarmos a luz.
Criamos um buraco, fundo. Feio. Escuro. Matamos a nostalgia porque não soubemos ver para além dos números.