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Carta do Leitor: A nova crise não pode fazer esquecer as antigas

A Carta do Leitor de hoje chega pelas mãos de Bernardo Marta, que nos fala sobre as crises no Governo.

Numa manhã, Portugal entrou num corrupio político quando se soube que estavam a decorrer buscas em ministérios e no Palácio de São Bento, residência oficial do Primeiro Ministro. Buscas no coração do Governo, uma situação ímpar que deixa qualquer democrata de sobreaviso. Não me cabe a mim tecer considerações acerca da veracidade das acusações feitas, não trago condenações próprias de quem cavalga uma lamentável situação.

Quero salientar um facto curioso, de três negócios na origem destas investigações dois estão relacionados com a transição energética, as conceções da exploração de lítio em Montalegre e em Boticas e o projeto da central de hidrogénio. Embora os acontecimentos tenham origem em projetos que visam preparar um futuro (mais ou menos verde, disso não tratarei aqui), o drama político em nada contribuirá para uma alternativa ecológica. Arrisco a dizer que enquanto nos ocupamos com esta preocupante investigação desviamos a atenção da crise ecológica, já normalizada por quem nela vive desde sempre.

Um putativo caso de corrupção no Governo é gravíssimo, mas não é mais grave nem sequer igualmente grave à crise ecológica que vivemos. Nem do que a crise habitacional que não nos permite viver condignamente. Nem do que a crise dos cuidados. Nem do que o machismo empedernido. Nem do que o racismo. Nem do que a queerfobia. E para quem não vive cá isto nada significa, ainda mais quando comparado com a hecatombe das guerras que assolam este mundo, a fome, a falta de água, as migrações forçadas… enfim, a falta de dignidade humana completamente evitável. O nosso assombroso histórico dita que andemos rodopiando neste grave escândalo e deixemos os maiores problemas para segundo plano (talvez seja otimismo excessivo achar que lhes caberá o segundo plano).

O hábito de estar permanentemente em várias crises gera uma normalização de cada uma delas. Esta adaptação, que é uma forma algo escapista de lidar com um mundo adverso, impede uma abordagem propositiva de um futuro diferente. Pior, coloca em causa a própria possibilidade desse futuro ao minar a nossa capacidade de sonhar. Os limites do futuro estão nas mentes que o imaginam, não por bastar acreditar muito para que algo se realize, mas pelo contrário. Basta não acreditar que o colapso ecológico (ou outro problema qualquer) é evitável que ele surgirá como uma promessa autocumprida, serão os braços caídos e a baixa moral que o efetivarão pela desistência.

O foco da atenção humana é limitado e facilmente direcionado para os mais recentes acontecimentos. O problema é que essas novidades não são necessariamente as mais preocupantes. O apetite voraz pela novidade misteriosamente sobrepõe-se à gravidade dos problemas. São imensas as urgências que se passam e que ignoramos constantemente, vamos  ignorá-las até ser demasiado tarde? Vamos continuar até que elas se agudizem de tal forma que seja impossível ignorá-las?

Preocupemo-nos com o que as investigações judiciais, é impossível não fazê-lo e é bom que não o façamos. Mas tenhamos consciência que este drama político em nada se compara a tantos problemas que infelizmente tornámos banais. Vamos voltar a ter mão no nosso rumo, vamos escolher o nosso futuro.

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Texto de Bernardo Marta

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