fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Texto de Leitor

Carta do Leitor: As pessoas e as Serras

Misturavam-se com as montanhas que recortavam a paisagem. Desaguisadas, sem traço certo, deixavam as nuvens…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Misturavam-se com as montanhas que recortavam a paisagem. Desaguisadas, sem traço certo, deixavam as nuvens relaxar à sua passagem. As nuvens, essas, desfaziam-se pelos elogios da serenidade do olhar de quem já desistiu há muito de as tentar tocar. Permitiam-lhes refazer-se à vontade, sem a pressão de eternizar figuras. Trocavam o ar rarefeito, pelo horizonte de cortar a respiração. Não a sustinham, por estarem habituados ao incomensurável tamanho dos gigantes rochosos. Faziam-no de peito cheio e olhar vidrado de memórias a desafiar a altitude, à qual se habituaram a chamar casa. Telha por telha, fora construida de suor por laços de sangue, que com eles perduravam naquele sitio só seu.

Não prosperam pessoas altas. Em tamanho, diga-se. Não na força para vencer as intempéries imprevistas, a saltar de um boletim meterológico feito de dores nos joelhos. São baixos, a compensar os mil e tal metros a aproximarem-nos do céu e a tirarem-lhes o chão, só visto ao longe. Passeiam-se curvados com montes às costas, vendo a vida passar nos cumes de rochas, outrora paletes de côr. No topo da Serra, não há lugar a contemplações de distâncias. Palmilham-se trilhos tão conhecidos como as mãos esfoladas de horas de trabalho, o melhor relógio de todos. O tempo não acelera, nem mesmo querendo. São horas de vento a empurrar corpos já em movimentos rotineiros de molduras feitas. Imortalizam-se momentos com o olhar pesado, de vidas simples, sem a azáfama de um trânsito de almas, sem a urgência de mudar hábitos. Preocupam-se com o que lhes está perto do peito, largando o longe da vista para quem vive de desatinos.

Sem folhas, deixam-se florescer ao ritmo dos dias árduos de quem trata o frio por “tu”. Vivem a passo de subida, no íngreme caminho da pacatez. Não existem vales a valerem o esforço de se indignarem com o cansaço. Abraçam-no. De peito aberto e costas a acatarem a dor dos anos a subir. Não para um topo, mas para mais um dia de lavoura e da madrasta subsistência, que não permite férias. Permite a paz de uma simbiose quase perfeita com a natureza que os rodeia. E os trespassa. Com a pureza necessária de quem não tem segundas intenções.

Olham os vultos dos visitantes da Serra, com a brisa da novidade. Estranham o ritmo alucinante de carros a estragar o rugido do vento. Contemplam, parados, estas estranhas formas de vida que vêm pedir emprestada essa calmia, esse ar tão puro, que fere os pulmões encardidos da rotina citadina. Não negam ajuda, conhecem o mais fácil dos caminhos para quem tem pressa de chegar ao lugar onde não ficará. É tudo o que se procura: sítios de passagem, para lhe passarmos o carimbo do “estive sem estar”, para ser imortalizado numa fotografia tirada para outrém, não para nós. Para divulgarmos uma paisagem entendida pela metade, para receber uma validação que nos enche de menos a alma. Deviam trocar-se fotografias por minutos de ar puro, aquele a libertar pensamentos e a alargar horizontes.

As pessoas e as Serras vivem numa história de amor eterna. Quem lá nasceu – e por lá morrerá – aprendeu a respeitar gigantes, a viver deles e com eles. Não se intimidam, deixam a brisa constante encher-lhes o corpo de coragem e encaram a vida com o sossego de quem está em paz com o que o destino – ou falta dele - lhes trouxe. Estaremos sempre seguros, quando deixarmos o nosso futuro correr com a natureza.

Se quiseres ver um texto teu publicado no nosso site, basta enviares-nos o teu texto, com um máximo de 4000 caracteres incluindo espaços, para o geral@gerador.eu, juntamente com o nome com que o queres assinar. Sabe mais, aqui.
Texto de António Barradas

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

3 Outubro 2024

Carta do Leitor: A esquizofrenia do Orçamento

12 Setembro 2024

Carta do Leitor: Por filósofos na sala de aula

29 Agosto 2024

Carta do Leitor: GranTurismo de esplanadas

22 Agosto 2024

Carta do Leitor: Prémios, diversidade e (in)visibilidade cultural

1 Agosto 2024

Carta do Leitor: Sintomas de uma imigração mal prevista

18 Julho 2024

Carta do Leitor: Admitir que não existem minorias a partir de um lugar de (semi)privilégio é uma veleidade e uma hipocrisia

11 Julho 2024

Carta do Leitor: Afinar a curiosidade na apressada multidão

3 Julho 2024

Carta do Leitor: Programação do Esquecimento

23 Maio 2024

Carta do Leitor: O que a Europa faz por mim

16 Maio 2024

Carta do Leitor: Hoje o elefante. Amanhã o rato

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0