fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Carta do Leitor – Desconstruir a Neuronormatividade: um chapéu de cada vez 

A Carta do Leitor de hoje chega-nos pelas mãos de Lua Eva Blue, que nos fala sobre a experiência de ser uma pessoa neurodivergente.

Texto de Leitor

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Eu sou autista. Tenho hipersensibilidades e uso os mesmos abafadores de ruído que  trabalhadores de obras pesadas, mas para ir ao supermercado – este é apenas um exemplo de  como algumas pessoas autistas se adaptam para navegar neste mundo. Felizmente, as pessoas  não se importam com a forma como alguém se veste para ir às compras. Outros autistas precisam usar chapéus por causa da luz. Aqui talvez já seja mais difícil navegar: ao nascermos somos  inseridos numa cultura que se desenvolveu a partir da experiência e ideias da maioria, e como tal  impõe as suas percepções sobre as nossas ações individuais - e algumas pessoas na nossa  cultura ainda vêm o uso de chapéus em espaços interiores como algo rude. Já vi testemunhos de  autistas que precisam de óculos de sol mas que têm receio de pedir permissão para os usar no  trabalho. 

Alguns autistas têm dificuldade no contacto visual. Parece um detalhe inofensivo, mas em criança  um professor disse que eu era “armada em boa” porque não olhava os outros nos olhos – uma  pequena gota de como é crescer com autismo na escola. A nossa forma de ser é vista como “agir  de forma suspeita”, o que pode levar a problemas. Até hoje, há contextos formais em que me forço para agir como se fosse “neurotípica” (termo que por vezes se usa para falar de pessoas sem  condições mentais – oposto de “neurodivergente”). Por exemplo, falo menos, ou fico calada, para  não me bloquear tanto nas palavras. 

Usa-se o termo “neuronormatividade” (neuronormativity) para definir a imposição de  valores e normas desenvolvidos numa sociedade feita para “neurotípicos” em pessoas cujos  cérebros não agem como as delas, semelhante à mais conhecida Heteronormatividade. Por  vezes o termo “neuroqueer” é usado quando se pensa a sua interseccionalidade. É importante  notar que alguns destes termos são usados com significados fluidos e tem discordâncias  associadas, mesmo dentro das comunidades. Outro exemplo é “Neurodiversidade”, um  movimento e paradigma pela aceitação da diversidade neurológica humana que vê as pessoas  neurodivergentes como parte dela e não como excepções. 

Como entendo ser vista como uma excepção? Não digo que medidas particulares que ajudam  pessoas com deficiência não devam existir, mas se eu fosse vista como parte da diversidade  humana em vez de uma excepção médica, pelo menos algumas medidas, como eu poder sair da  aula quando precisava de uma pausa, podiam ser logo realizadas sem eu ter de passar por um  processo burocrático (um entrave para recebermos ajuda). 

Por vezes, em meios neurodivergentes, usa-se o argumento de “em outras culturas é rude olhar  as pessoas nos olhos” de forma a validar a forma como nos é mais confortável ser. Eu concordo  com o argumento, mas não com a premissa do qual ele nasce: sabendo que as formas do corpo  humano, e por extensão a sua neurologia, são variáveis na construção da cultura das sociedades, porque é que temos de olhar para culturas que percecionamos como diferentes da nossa para  legitimar ações que tomamos? Um pequeno grupo de amigos tem a sua própria cultura, diferente  de outro grupo até na mesma vila: formas de agir, piadas internas, lembranças, lugares  importantes, interações. Cada gesto — dar as mãos, um beijo na testa, estar deitado encostado na  perna de alguém — apenas tem as pessoas que nele participam como autoridades para decidir o  que significa. Não pode ser algo imposto de fora por uma cultura dominante, o que chamamos de  normatividade. Assim, a personalidade e modo de ser de uma pessoa não é senão a sua cultura,  individual? Porquê forçar alguém a mudar algo que não magoa ninguém? 

Desconstruir a neuronormatividade faz parte do pensar da desconstrução do capacitismo e de  normas sociais. Em espaços pela diversidade, onde me sinto mais livre, em vez de não falar,  deixo-me bloquear nas palavras as vezes que for preciso. Não tenho de olhar as pessoas nos  olhos. Não estou constantemente a pensar em cada gesto ou palavra. E uso os chapéus que  costurei, dentro das salas.

Se quiseres ver um texto teu publicado no nosso site, basta enviares-nos o teu texto, com um máximo de 4000 caracteres incluindo espaços, para o geral@gerador.eu, juntamente com o nome com que o queres assinar. Sabe mais, aqui.

Texto de Lua Eva Blue

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

18 Abril 2024

Carta do Leitor: Cidades Híbridas: onde podemos libertar as nossas cidades interiores!

28 Março 2024

Carta do Leitor: Conversa com a minha doença autoimune

7 Março 2024

Carta do Leitor: Guia-modelo de Competências de Liderança

3 Março 2024

Carta do leitor: O profano do sagrado quotidiano

22 Fevereiro 2024

Carta do Leitor: Os blogs empresariais vão sofrer o  efeito Milankovitch este ano

11 Fevereiro 2024

Carta do Leitor: Quem quer comprar um imigrante?

4 Fevereiro 2024

Excerto manifesto anti-exames

14 Janeiro 2024

Carta do Leitor: Stream of consciousness pluvial 

7 Janeiro 2024

Carta do Leitor – “Teias de lítio”: a prova de que os relatórios de impacte ambiental estão a falhar

31 Dezembro 2023

Carta do Leitor: A distópica crise da habitação 

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0