Fui feliz como figurante em Londres, não tenho a certeza de que esteja feliz como actriz em Portugal.
Quando cheguei a Londres, em 2015, inscrevi-me em várias agências de figuração. Era uma boa maneira de estar perto da área de que gostava e de fazer algum dinheiro. Muitos professores e actores dizem que se queremos ser actores não devemos trabalhar como figurantes. Eu não concordo. Aprendo mais no set a observar tudo à minha volta do que na Topshop a dobrar camisolas.
Não demorou muito até começar a ser chamada para trabalhos. O primeiro de todos foi para uma série sobre o Dr Jekyll and Mr Hyde. Nunca vi a série, penso que não era muito boa, mas o vestido que me deram era espectacular. O figurinista disse-me: “Tens o melhor vestido” e eu tive noção disso. Era um vestido preto comprido. E ainda tinha uma espécie de vison à volta do pescoço. Era uma cena num bar, estávamos todos muito elegantes. Não me lembro das caras dos outros figurantes, mas ao longo de vários trabalhos fui reconhecendo alguns.
Ganhava-se bem como SA (supporting artist) - como eles dizem. Havia normalmente um valor standard, mas se começávamos antes das 06h00 ainda tínhamos um bónus de early call e se ultrapassávamos um certo número de horas, mais dinheiro era. O máximo que ganhei num dia foram 300£, nada mau para quem passou o dia a ler. Sim, nunca li tanto como quando era figurante. Havia muito tempo de espera, não me chateava nada. Às vezes, em casa, tenho uma certa preguiça para pegar num livro, talvez porque há demasiados estímulos e nunca sei bem o que fazer, mas ali era o sítio ideal. Estava a ser paga para não fazer grande coisa. Quando me fartava de ler, bebia cafés ou chás e conhecia outros “supporting artists”, acabando sempre por voltar ao livro.
Fiz amigos nessa altura, em especial na “Missão Impossível” 4?5? Já não sei. Foram 3 semanas de trabalho, era outra cena num bar que se desenvolvia para uma cena de porrada. Seríamos talvez uns 300 figurantes e mais uns quantos duplos. Calhou-me de novo um vestido bem bonito. Verde-esmeralda. Corria um rumor. Não podíamos olhar o Tom Cruise nos olhos. Aparentemente na “Missão Impossível” anterior um figurante foi mandado embora porque o tinha olhado de frente. Por isso, sempre que ele aparecia notava-se alguma tensão no ar. Uma vez distrai-me, olhei para o lado e lá estava ele, os nossos olhos fixaram-se durante 5 segundos, uma eternidade, bloqueei, não soube o que fazer. Não fui expulsa do set, mas às vezes penso se ele não me terá roubado um bocado da alma nesses 5 segundos. Coisas da cientologia, talvez? Mas gostei dele, estava sempre a mandar vir pizzas e tacos a meio do dia para os figurantes. Pareceu-me também um bom profissional e com amor pelo que fazia, ganhei-lhe admiração.
Alguns dos trabalhos começavam muito cedo e precisava de ir ter a um ponto de encontro de onde nos levavam para os estúdios. Uma vez, eram para aí 4 da manhã, cheguei a Kings Cross e entrei num autocarro, dei o meu nome, mas a produção não o encontrou. Estava no autocarro errado, aquele era o autocarro para o Star Wars, o meu tinha de ser o autocarro para o Aladino, saí e entrei no certo (com alguma pena admito).
Achei incrível estarem ali aqueles autocarros à espera para nos levarem para um mundo de fantasia, tipo Disneylândia. Era o que eu sentia nestes trabalhos de figurante, que não era real. Chegava, vestiam-me, penteavam-me, maquilhavam-me e de repente estava no Live Aid a ver os Queen, depois no backstage a flirtar com o David Bowie. Também trabalhei no jornal da Eve Polastri enquanto procurávamos a Villanelle, fugi de Monstros Fantásticos em ruas de Nova Iorque construídas em Watford, estive nos anos 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90 e 2000, tudo em apenas meia década. Tenho boas recordações.
Agora em Lisboa, quando trabalho (finalmente) como actriz e tenho tempos mortos, não me sinto confortável nem a ler, nem a beber cafés ou chás e sinto-me, por vezes, insegura a falar com outros actores.
Quando me maquilham só quero que acabe, em Londres adorava sentar-me a falar horas com as maquilhadoras e quando os pincéis me tocavam na cara quase relaxava como numa espécie de meditação. Agora sento-me e dizem-me que tenho olheiras e eu só quero sair dali. As roupas que antes adorava vestir, agora só me fazem transpirar. Esperem… Filho da puta do Tom Cruise, não devia mesmo tê-lo olhado nos olhos!