A linguagem é uma forma de introduzirmos valor(es) na nossa existência social. Através dela, conseguimos chegar a outras pessoas, validamos ou rejeitamos sentimentos e demonstramos que somos todos feitos da mesma estrutura simbólica, capazes da empatia e da audácia de tentar a interpretação e a comunicação. Como é advogado pelo sociólogo Pedro Abrantes (2011, p. 124), a linguagem possibilita que as experiências sejam «incorporada[s] como “a” realidade»: ao exprimirmo-nos tornamo-nos também nós expressões. Por isso, sendo certo que o silêncio representa sempre uma fala, não haverá momentos em que a ausência de linguagem é efetivamente um vazio comunicacional?
Esta pergunta retórica nasce das minhas experiências com as aplicações de encontros. Neste momento confesso estar inscrito em duas desse género, utilizando-as diariamente e com ação nas mesmas várias vezes ao dia. O seu principal objetivo, independentemente de alguém pretender alcançar um relacionamento duradouro ou simplesmente um encontro hedónico e fugaz, é o de nos darmos a conhecer ao outro lado, o primeiro passo para que alguma coisa aconteça. Ora, numa app em que apenas nos é possível redigir mensagens, qual será o caminho a seguir quando conseguimos um match (correspondência) e queremos saber o que pensa a pessoa do perfil que apreciámos? É óbvio, mas eu respondo: falar. Escrevendo.
Contudo, a obviedade de um assunto nem sempre o torna mais simples. Compor um conjunto qualquer de palavras a fim de ser enviado para um terceiro afigura-se uma tarefa para muitos hercúlea. Algo que exige a “coragem” a que o título deste texto se refere. Até porque, podemos nós pensar: “se me colocou um like (gosto) e eu a ele/a, por que razão não conversa comigo?”. Neste cenário, duas situações podem ser possíveis. A primeira é aquela em que ambos pensam o mesmo, conduzindo a uma dupla inação e, consequentemente, a um nada interacional. A outra situação, com a qual mais me deparo, é a de uma das partes iniciar o diálogo sem obter, todavia, resposta. Para o meu caso pessoal este é o acontecimento mais frequente, o que me leva a colocar a questão referida e ainda mais outra: “porque tenho de ser sempre eu a iniciar uma conversa?”.
Sim, sempre eu. Pode parecer um exagero, porém conheço um caso de uma pessoa amiga que está nessa exata situação. Ambos já obtivemos correspondências várias, mas apenas uma pequeníssima fração diz respeito a uma interação iniciada pela outra pessoa. O restante suscita não menos do que uma reflexão, que se vai tornando mais profunda, acerca da capacidade atual de os adolescentes e jovens adultos saberem expressar-se e criar espaços de confraternização e apresentação de interesse(s).
Mas Giddens e Beck, dois autores que se têm debruçado sobre o conceito de modernidade reflexiva, podem dar-nos uma pista para resolver esta questão: a reflexividade que predomina nos nossos dias de hoje. Segundo as suas perspetivas, o mundo contemporâneo é dominado por lógicas de autoconfrontação e autocrítica que acentuam o pensamento relativo aos riscos que podem ser assumidos numa tomada de decisão. Assim, aplicando esta visão às pessoas das apps de encontros, os indivíduos pensarão mais nos ganhos e nas desvantagens que uma iniciativa poderá trazer e a falta de vontade e a fragilidade da exposição significarão um domínio da taciturnidade face à conversação e ao envolvimento. Quem sofre é, naturalmente, quem investe, pois estará sempre condicionado pelos grilhões do ghosting – fantasmas que não continuam e espíritos que jamais começam uma participação real.
Assim como o silêncio é paradoxalmente um modo de linguagem, uma aplicação para encontros consegue tornar-se um sítio de desencontros. Portanto, de perdição e de desajuste entre intenções e concretizações. E, no final, a verdade é só uma: o nosso desejo de originar um diálogo sofre um swipe left (puxão ou deslizamento para a esquerda).