Na ponta dos dedos podem-se erigir montanhas de ódio que cabem no bolso de qualquer cidadão mas estas têm o poder de desmoronar a solidariedade social. A exposição a discursos que promovam a violência contra uma pessoa ou um grupo de pessoas distinguível pela etnia, religião, género, nacionalidade, orientação sexual ou outro aspecto possível de discriminação são, desde logo, um convite para nos distanciarmos do outro ao invés de o conseguirmos entender. Já nem lamento a falta de elevação e elegância no debate de ideias nas redes sociais onde fervilham os ataques ad hominem. Refiro aqui as palavras que merecem punições com sanções penais efectivas que já se encontram incluídas na lei portuguesa e o discurso de ódio que não deixa de ser crime apenas porque ocorre no mundo online. Será que continuaremos dispostos a conviver em ambientes digitais onde pululam ameaças, insultos e violência?
Talvez tenham chegado atrasadas, mas a acção governamental e a regulação de conteúdos das próprias redes sociais quanto ao discurso de ódio seria sempre indispensável. A liberdade de expressão não tem um valor absoluto perante as outras liberdades, e por isso, sabemos que apenas estabelecendo limites poderemos continuar a viver com respeito pelo próximo. Sem limites para a liberdade, para a velocidade ou até para a paciência não conseguiremos evitar um desastre social.
Não devemos continuar a assobiar para o lado tentando ignorar o aumento da presença de racismo e de discurso de ódio online apesar de estarmos perante a população com maior nível de educação da História. Percebemos que não é uma questão de tempo mas de acção. As redes sociais estão a eliminar mais conteúdos de incentivo ao ódio em 2020 que em 2016 e tal como apresentado pela Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa estes ataques ao espírito tolerante das democracias europeias estão em crescimento por todo o mundo virtual. Para a, afinal tão frágil, democracia ocidental desaparecer apenas precisamos de continuar a fazer clique na mesma receita: mantermos a impunidade misturando conceitos como discurso de ódio, liberdade de expressão e de pensamento. A estratégia que já fez chegar ao poder vários populistas em diferentes latitudes é diferente da proposta do Governo português, monitorizar o discurso de ódio para ajudar a identificar autores e oferecer mais dados aos processos-crime.
Acredito que os habitués desta práxis que acenam agora a tão conveniente bandeira da liberdade de expressão sejam os mesmos que sabem sempre onde o outro vive, ou que não imaginam um dia sem poder mandar alguém para a sua terra ou que ainda defendam a ausência de liberdade para determinados grupos. Há tanta gente autoritária e com receio deste escrutínio que isso até me inquieta. Para nos preocuparmos mais um pouco com o tamanho desta massa violenta basta olhar à nossa volta, e até para o nosso quintal, e perceber como a presença de partidos políticos alicerçados nestas prácticas discursivas cresceram.
Será que estas pessoas estarão prontas para assumir as responsabilidades das suas palavras saindo do anonimato?
Recordemos sempre a abordagem que nos oferece o paradoxo da tolerância de Karl Popper. Se a tolerância ilimitada for concedida mesmo até aos intolerantes estaremos condenados ao desaparecimento da tolerância e dos tolerantes. Apesar de devermos confrontar a intolerância com argumentos há um certo tipo e nível de discurso de ódio que não permite sequer o debate de ideias e esse deve ser considerado crime. Por querermos proteger a democracia é que nos devemos defender deste tipo de discurso que apenas traz violência, polarização e instabilidade à nossa sociedade.
As próprias redes sociais já acordaram para o fenómeno da exposição ao discurso de ódio. A moderação adequada do Facebook começa a surgir influenciada pela pressão económica dos seus maiores anunciantes, o Twitter já sinalizou tweets do presidente dos EUA como falsos, o Twitch bloqueou temporariamente a conta de Trump por comentários racistas, o Reddit apagou alguns fóruns extremistas devido à violação das regras da sua política de conteúdos e o Youtube baniu a conta de vários canais de supremacistas brancos. O papel de mediação das redes sociais é fulcral para a forma como somos expostos a conteúdos e aí não pode haver espaço nem para o ódio, nem para o apelo à violência. Se numa estação de rádio, num canal de televisão ou na imprensa escrita não são permitidos este tipo de declarações como podemos aceitar que nas redes sociais não existam limites para as prácticas criminosas?