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Cavalo de Troia: Onde judas perdeu as botas

Na Revista Gerador 39, na crónica Cavalo de Troia, que agora partilhamos contigo, a Teresa Carvalheira fala-nos da performance da transição energética pelos detentores do poder capital.

Texto de Redação

©É Prà Amanhã

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À superfície ou precisamos falar de intersecionalidade

«No deserto do Atacama, no Chile, montanhas de roupa usada do Ocidente confundem-se com a paisagem: impressionantes estimativas de 39 mil toneladas a cada ano […]». Resgato esta passagem da última crónica para aprofundar um pouco de arqueologia contemporânea: a infindável caça ao tesouro e a programação económica das «terras de ninguém».  As montanhas de roupas descartadas provenientes da «valorização externa» de países do norte global são apenas mais um corpo inútil a enterrar – em lixeiras – no sul global, revelando que há várias camadas de herança colonial de «longe da vista, longe do coração».

Em questão está a performance da transição energética pelos detentores do poder capital, com a lógica extrativista, que promove o consumo exponencial de veículos de transporte individual, sem estimular mudanças no sistema de consumo. De acordo com o Fórum Económico Mundial, serão necessários dois biliões de carros elétricos para atingir níveis globais de emissões net zero.

Mais a fundo

Nesta urgência histórica de programar economicamente o «deserto», transicionamos do solo para o subsolo, na perfeita metáfora: a continuidade da verticalidade de poderes, acentuada pela transição energética, que tem desta vez o lítio como «combustível». Segundo o investigador Michael Marder, «para entender o nosso burn-out, não são necessárias metáforas. É literal: se a nossa sociedade é ainda movida a combustão, porque poderiam os nossos corpos estar isentos disso?»

Em maio de 2022, o programa Colectivos Pláka organizava na cidade do Porto o curso «Desejos compulsivos: a extração de lítio, o crescimento ilimitado e a auto-otimização». Aqui, o lítio é reconhecido não só como elemento essencial para baterias baratas e leves, mas também como elemento revitalizante – águas termais e suas propriedades curativas. «O lítio concretiza o envolvimento entre extrativismo e exaustão, produtividade e esgotamento a todas as escalas.» Entendido como uma forma planetária de exaustão, é na sua dimensão mais localizada que visualizamos o impacto não só ambiental como cultural. Populações inteiras são reposicionadas como dano colateral, como é o caso das gentes de Covas do Barroso.

E onde fica Covas do Barroso*? Pois, muito bem, fica exatamente onde judas perdeu as botas: com um projeto de concessão de cerca de 550 km2 de mina – nem  tão-pouco interessa exatamente onde é – porque é grande o suficiente; ou a quem mais toca – porque, tocando a todos,  quer-se entendido como remoto e inóspito, para não dar palco a contestação.

Lobby vs. ativismo

Esta é uma questão transfronteiriça, uma vez que o subsolo ou a troposfera não têm realmente (artificiais) fronteiras políticas. União Europeia, governos, empresas, universidades e imprensa focam-se no potencial económico desta transição energética, sem olhar a todos os custos e influenciando as populações locais com promessas de postos de trabalho e desenvolvimento local. No caso da denominada «Mina do Barroso», prometida a maior da Europa, incluiu a abertura de uma loja aberta da Savannah Resources (empresa concessionária) para esclarecimento dos residentes – uma presença central à ocupação económica, mas que a população apelidou de «posto de desinformação».

Grupos ativistas  – «Unidos em Defesa de Covas do Barroso», «XR Portugal» e «Minas não!» alertam que estes pontos de prospeção são apenas portas de um empreendimento maior: a do revivalismo do minério em Portugal. O Programa de Prospeção e Pesquisa (PPP) vai para além do Lítio – 30 tipos de minerais que, como mostra o Mapa do Minério**, entre pedidos e contratos de prospeção e pesquisa, coloca cerca de 25% do território português, sob ameaça de mineração.

Minar os planos da mineração

O acesso ao território e aos seus recursos é a questão chave da corrida ao lítio e outros minerais.

Sem propriedade cultural, as empresas chegam munidas  de licenças e buscam «conquistar» território, oferecendo elevadas quantias a proprietários privados, muitas vezes ausentes da região. Segundo os habitantes do Barroso, a ameaça política é exatamente territorial: se os minerais forem considerados propriedade pública, o governo pode considerar a sua exploração de interesse público e chegar até a expropriar terras. Porém, se de interesse público, surge a questão: porque não seria o próprio estado a nacionalizar a exploração, como acontece em alguns países da América Central e do Sul – e muitas vezes por desígnio de comunidades indígenas a estes territórios?

Acontece que as gentes do Barroso sabem ainda melhor o que são propriedades de interesse comum: nesta região, boa parte dos terrenos são baldios. Estas são terras geridas pela comunidade e que, através de processos  de assembleia, resistem ao cerco económico e rejeitam o aluguer e expropriação dos seus próprios recursos para «facilitar a transição energética da Europa». Ainda que aparentemente bem intencionada – como se lê também nas declarações de «mineração sustentável e responsável» da Savannah Resources – a extração de lítio para a produção de baterias contribui para o aumento da temperatura global e condições climáticas imprevisíveis. As suas operações e respetiva manutenção requerem muito território e água – recursos essenciais a inúmeras populações próximas e reconhecidos como de elevado valor, como é o caso do sistema agro-silvo-pastoral do Barroso, declarado Património Agrícola Mundial – o primeiro em Portugal – pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Então, será realmente necessário sacrificar recursos e populações, tão longe ou mesmo à nossa porta, to power the transition?

* – Covas do Barroso é uma freguesia portuguesa do município de Boticas, distrito de Vila Real, Região Norte
** – MiningWatch Portugal: https://miningwatch.pt/mapadominerio/index.html

-Sobre a Teresa Carvalheira-

Alentejana, mas inquieta, designer e upcycler, é community manager em Portugal do movimento internacional Fashion Revolution e produtora da série documental sobre sustentabilidade «É Pra Amanhã». Organiza, desde 2015, mercados de troca de roupas e está ligada à gestão de projetos transdisciplinares relacionados com inovação social e património em Portugal, Grécia e Turquia.

Texto de Teresa Carvalheira
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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