*Esta é uma crónica do Pedro Pires, inicialmente publicada na Revista Gerador de fevereiro de 2021.
O sucesso dos social media começou com a arte. Quem não se lembra do Myspace
(e do Napster) e da ilusão de um novo mundo de relação entre bandas e consumidores alimentada pela boa vontade da tecnologia e pelo puro entusiasmo da descoberta?
Entretanto, parece que passou um século de plataformas e que, para lá da música, as outras formas de arte ficaram também elas dependentes destes meios enquanto ferramentas de emancipação individual num mundo antes dominado por escolas, circuitos e relações.
Imaginemos que amanhã deixava de haver Instagram (o declínio já começou). Qual o impacto disso no mundo cultural? Recuperar-se-ia o verdadeiro valor da fotografia enquanto produto artístico? Ou perderíamos a nova expressão que a disciplina ganhou naquele formato? Voltaríamos a ter uma relação mais exclusiva entre arte, curadoria e valor, ou, pelo contrário, iríamos assistir à destruição do canal de venda para milhares de artistas?
Enquanto galeria de arte, o Instagram contribuiu para que muitos tivessem um canal direto com o mercado, comissões e relações com marcas e empresas. Mas poderá, agora, estar a contribuir para a sua desvalorização dado o contexto de abundância, para a banalização do conteúdo dada a inexistência de critério para lá dos likes e para uma mensagem superficial dominada pelo tempo de visualização. Há uma nova geração artística que aprendeu as artes do influencing para vender e ganhar visibilidade e que, de certa, se libertou da figura do curador. Estará agora estabelecida uma relação de interdependência entre sobrevivência e influência? É válido ainda para um artista sério colocar o seu trabalho nestas redes ou, pelo contrário, a perda de valor é cada vez maior? O advento das fake news quase destruiu o valor da informação livre de códigos de conduta jornalísticos. Há um gradual retorno aos media de confiança como forma de escapar à instabilidade da verdade. Vimos a criação de plataformas — Spotify , etc, – em que o papel da playlist e da curadoria voltou a ganhar peso e existe lado a lado com o livre arbítrio.
Será que também os novos compradores de produto artístico – as marcas – tenderão a refugiar-se em decisões que privilegiem mais o contacto qualitativo e prolongado do que o impulso de se associarem apenas a quem tem mais likes?
-Sobre o Pedro Pires-
É CCO/CEO da Solid Dogma. O que quer dizer que é criativo, mas que também tem outro tipo de responsabilidades enquanto não aparecem outras pessoas que façam melhor o serviço. É o autor da crónica «Constructo Constritor» na Revista Gerador.