*Esta é uma crónica do Luís Sousa Ferreira, inicialmente publicada na Revista Gerador de junho.
Teremos percebido o potencial dos novos media para a criação e difusão de projetos culturais?
Com o mundo inteiro confinado em casa, sem os tradicionais modelos de prática e usufruto cultural, os artistas foram os primeiros a inundar as redes sociais de festas e festivais, sem técnica, mas com muito boa vontade. Logo a seguir vieram as estruturas culturais. Atualizaram os seus sites e abriram os arquivos às pessoas de hoje.
É interessante perceber que estes movimentos só têm demonstrado como, nas últimas décadas, temos desvalorizado o território digital. Os conteúdos lançados não estão talhados para os condicionalismos e potencialidades da Internet. São uma transposição seca e direta do gravado. Fazem lembrar as tentativas de passar o imaginário do teatro para a televisão.
Os novos media (que de novos já têm pouco) exigem ritmos, durações e captações muito diferentes. A proximidade que temos dos dispositivos, a relação unilateral, a sua dinâmica – que potencia a utilização de multiplataformas e um olhar sistémico sobre o conteúdo – e as infinitas possibilidades da criação virtual, são alguns dos elementos que devem ser considerados na criação e partilha de conteúdos para a Internet. Apesar de estarmos a viver circunstâncias muito específicas, os novos media vão deixar de ser apenas um meio e, em muitas circunstâncias, vão ser o fim em si mesmo.
A Internet não vai substituir o teatro, tal como a televisão e o cinema também não o fizeram. Contudo, as estruturas culturais terão de se reestruturar para conseguir dar resposta às novas linguagens, mas também à criação de conteúdos. Acredito nas linguagens mistas e estou certo de que uma relação mais profunda poderá potenciar também as dinâmicas pré- e pós-espetáculo, o envolvimento de novos públicos, a criação de diferentes níveis de entendimento e a disponibilização de arquivos vivos.
A partir do momento em que perdermos a obsessão por querer criar uma salsicha vegetariana, faremos pratos fantásticos, com sentido, e autónomos dos formatos tradicionais.
-Sobre o Luís Sousa Ferreira-
Formado em design industrial, é o diretor do 23 Milhas e fundador do festival Bons Sons. Não acredita que a cultura em Portugal precise de uma revolução, mas sim de uma mudança de prisma. É o autor da crónica «Disco Riscado» na Revista Gerador.