*Esta é uma crónica do Luís Sousa Ferreira, inicialmente publicada na Revista Gerador de fevereiro de 2021.
Escrevo em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, onde percebo que a cultura não é tema para os debates das presidenciais. Sim, parece que a cultura, a matéria pela qual se caracterizam e baseiam os Estados, não tem qualquer relevância para as televisões e, salvo poucas exceções, é tema de pouco interesse para os candidatos.
Os olhares, as necessidades e os princípios da política executiva, bem como os respetivos tempos eleitorais, não são coincidentes com os processos culturais. Existem responsabilidades políticas na cultura, como existem na educação e na saúde, por exemplo. Contudo, são evidentes as diferenças de tratamento do primeiro perante os seguintes. Temos muita política onde esta já não deveria existir e pouca quando ela seria estratégica.
Considero a cultura um bem essencial. Um bem que nos define, nos desafia, cria pensamento, desperta a curiosidade, cria espaço público, confere identidade e sentimento de pertença. Vejo a cultura como uma plataforma sistémica que resulta de vários fatores e atividades, sejam elas mais artísticas, patrimoniais, gastronómicas, festivas, entre muitas outras. Vejo a cultura como um princípio semelhante ao da agricultura. Como uma ação de cultivo que cria transformação nos indivíduos e nas sociedades. A cultura cria sentidos, que estão consagrados na Constituição e expressos na Carta dos Direitos Humanos.
Acredito na cultura popular e defendo espaço para a cultura participativa, inclusiva e diversa. Defendo um lugar artístico para a cultura popular e a sua devida apropriação pelas suas comunidades. Entre uma cultura popular adormecida e a cultura de massas vazia de território e identidade, estamos a empobrecer e a esvaziar o nosso país da liberdade de escolha. Liberdade de escolha e participação expressa no artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de beneficiar das artes e de participar no processo científico e dos seus benefícios".
-Sobre o Luís Sousa Ferreira-
Formado em design industrial, é o diretor do 23 Milhas e fundador do festival Bons Sons. Não acredita que a cultura em Portugal precise de uma revolução, mas sim de uma mudança de prisma. É o autor da crónica «Disco Riscado» na Revista Gerador.