Repertório de fazeres para futuros possíveis
No terreno é onde as ideias são testadas, frequentemente refeitas, e as complexidades emergem. Encontros ocorrem e abrem novas possibilidades, que seguem em criação e confronto com as dinâmicas do real. Assim foi no contato com a aldeia de Martim Longo, fronteira do Algarve com o Alentejo, onde ficamos a conhecer a história de Neel Patel, 29 anos, imigrante indiano em Portugal. Formado em engenharia eletrotécnica e de computadores, contou sua odisséia até chegar ao concelho mais envelhecido do país, Alcoutim, para trabalhar com painéis solares. Lá, ele se tornou um dos muitos indianos que mudaram a paisagem e, acreditam alguns, podem fazer parte da solução para evitar que aquele conjunto de aldeias se torne um deserto humano. Há um percurso por fazer pelos que chegam e por quem os recebe, incluindo portugueses vindos de outras experiências de migração. Mas é no terreno que os papéis se movimentam e impõem transformações mútuas.
Nesta edição, a reportagem sensível de Patrícia Nogueira investigou um tecido social em mudança, com desafios de variada ordem, mas que vislumbra um futuro em crescente com a fixação de novas coletividades. Firmar conexões e superar desigualdades parecem duas faces de uma mesma tarefa para o benefício comum.
No rol de desafios, outras interações se aprofundam em todo globo, com consequências assimétricas e que suscitam fazeres imediatos. O futuro é a matéria em disputa. Quer seja quando se trata da emergência climática, ao se atentar para a relevância das mulheres na transição ecológica. Ou a discutir um idioma em seus contextos, como mostra a reportagem sobre as muitas línguas faladas nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
Ainda nesse inventário, um tsunami de ordem mundial foi anunciado nos últimos meses com o salto de tecnologias complexas reunidas no termo Inteligência Artificial, ou somente IA. Cada vez mais comum nas artes, com tensões, indagações e potencial criativo, a IA popularizou-se acompanhada da promessa de alterar decisivamente “tudo”, como repetido por entusiastas e mesmo críticos que preveem futuros distópicos. Se a tecnologia é uma ferramenta, quem a controla diz sobre seus usos e repercussões. Mas, efetivamente, quais os mecanismos da IA que podem aprofundar desigualdades, como as ligadas a classe, raça e género?
Desses cruzamentos vários, permeados de diálogos em terrenos abertos do pensamento, multíssonos e com vistas à criação (de sentidos, de propósitos, de sensibilidades), é feita esta edição da Revista Gerador. Boa leitura!