A descansar à sombra após mais uma colheita feita sob o sol ardente. É assim que encontramos Joaquim Basílio Dias e Aida Dias. A meio da manhã, estão sentados sob uma árvore, na pequena colina que dá vista para todas as hortas comunitárias, e que fica mesmo em frente aos reservatórios de água. “Quer levar uma alface, menina?”, pergunta a Sra. Aida, que segura um balde de plástico a transbordar de folhas frescas. O casal de reformados mora “já ali”, ao lado dos portões de metal que delimitam o espaço partilhado pela população. Fazem parte da lista de 40 famílias que beneficiam das hortas comunitárias em Torre de Moncorvo.
Do sítio onde desfrutam do ócio, é possível ter uma perceção mais abrangente dos vários talhões, com áreas entre os 50 e os 100 m2,que compõem o espaço hortícola. Os retângulos de solo cultivado estão polvilhados de rebentos de batatas, tomates, brócolos, salsa, pepino e até melão. Aqui e ali, é possível observar ainda pedaços de terra nua, que, diz o Sr. Joaquim Basílio, denunciam a falta de empenho de quem dela cuida. “Olhe aquilo... acha que aquilo assim está bem?”, questiona, sublinhando, de dedo em riste, que a terra não dá nada sem trabalho e dedicação.
Os pequenos espaços de cultivo, que observamos na companhia do casal Dias, foram atribuídos gratuitamente pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo no início deste ano, num concurso que deu prioridade a desempregados de longa duração, famílias numerosas, idosos, beneficiários do Rendimento Social de Inserção, reformados e beneficiários das antigas hortas comunitárias (que já existiram no concelho). A ideia foi colmatar “uma necessidade em termos sociais” por meio de “um estímulo em termos ambientais”, segundo Piedade Meneses, vereadora com os pelouros da Ação Social e Ambiente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo.
Durante uma espécie de visita guiada pelas parcelas de terra numeradas, a responsável explica ao Gerador que a iniciativa permite a famílias carenciadas do concelho poupar dinheiro em alimentação, ao mesmo tempo que promove a agricultura biológica e a utilização responsável de recursos, nomeadamente da água.
Junto às placas identificativas há uma mangueira à disposição de cada horticultor. A água que brota destes tubos é bombeada de um furo para dois depósitos de 10 mil litros cada, que estão situados na tal colina, onde o casal Dias está sentado a repousar. A água é recolhida através de energia produzida em painéis solares, sendo depois distribuída por gravidade para as hortas comunitárias. Cada espaço de cultivo tem ainda “um sistema de monitorização, que permite saber quanta água é gasta em cada uma das culturas”, explica Piedade Meneses, que ressalva que, desta forma, é possível consciencializar e alertar os horticultores para que façam um uso responsável deste recurso.
Para concretizar a iniciativa, a autarquia investiu cerca de 75 mil euros na movimentação de terras, divisão de lotes e sistema de rega. Durante a cerimónia de inauguração do espaço, que decorreu em março, foram também entregues pequenos cabazes, que continham diferentes produtos hortícolas para plantação como pepinos, tomate, brócolos, alface, salsa, melão e melancia. O kit incluía ainda um chapéu, uma máscara, luvas, álcool-gel e folhetos sobre a poupança de água, compostagem e regras de utilização das hortas.
Manuel Cândido é um dos horticultores que já vê brotar da terra o produto destas sementes. Confessa o gosto pelo trabalho agrícola, e por consumir aquilo que é o fruto do seu esforço. “As coisas cultivadas por nós têm outro sabor”, diz ao Gerador.
Já reformado, não esconde o orgulho nas colheitas que recolhe daquele pedaço de terra, e diz que se esforça por mostrar o valor da horta aos membros mais novos da família. “Às vezes trago cá o meu neto, e ele gosta muito de andar aqui a mexer”, confessa. O septuagenário desloca-se, habitualmente, duas vezes por dia à horta, uma de manhã cedo e outra ao entardecer. É este investimento de tempo e esforço que, segundo diz, lhe permite ter já tanto para mostrar.
Além de fornecer materiais e sementes, a Câmara Municipal promoveu também ações de sensibilização destinadas aos horticultores. Uma destas atividades, que decorreu no passado dia 17 de abril, foi sobre compostagem. A sessão incluiu a colocação de um compostor comunitário e a distribuição de baldes para recolha. A ideia é que as culturas possam ser feitas com recurso a adubo natural, que permita rentabilizar biorresíduos que, de outra forma, seriam descartados.
Estas práticas são já habituais para o Sr. Manuel Cândido, habituado a estas lides. “Isto aqui é tudo natural, não há cá químicos nenhuns”, afirma. Questionado sobre o custo-benefício desta atividade, o horticultor diz que o que aqui colhe “faz muita diferença” no orçamento familiar, e que consegue poupar “mais de quinhentos euros” ao fim do ano. “Ainda há muita gente que se aqui governa”, desabafa.
Não sendo uma novidade, é possível encontrar exemplos de hortas comunitárias um pouco por todo o país. Por estarem dispersas pelo território e terem diferentes configurações, não existem números concretos que permitam analisar a abrangência desta prática. É possível, contudo, ter uma ideia relativa ao passado recente: em 2017, a Associação Sistema Terrestre Sustentável Zero realizou um inquérito nacional sobre o tema, no qual participaram 135 municípios portugueses, do continente e ilhas. Cinquenta e nove destes municípios indicaram que possuíam hortas comunitárias, “ocupando uma área total de 69 hectares disponibilizados em talhões aos seus cidadãos para que aí produzam alimentos”.
Dos municípios que indicaram não promover ainda esta atividade, 77 % “manifestaram interesse em investirem numa, ou em mais que uma”, segundo a Zero.
Os municípios com mais espaço dedicado a hortas comunitárias eram, em 2017, Guimarães (7 hectares), Funchal (6 hectares), Lisboa (5,7 hectares), Porto (3,58) hectares) e Gaia (3,5 hectares), de acordo com o inquérito da associação ambientalista.
Naquele ano, em 58 % dos casos, eram utilizados métodos de produção biológica, ainda que nem todos fossem certificados. Um outro aspeto importante é que a compostagem dos resíduos era promovida “em 95 % das situações, o que denota a preferência dos hortelões por fertilizantes orgânicos, acessíveis, baratos e mais sustentáveis, em detrimento de fertilizantes inorgânicos”, dizia a Zero.
No caso de Torre de Moncorvo, a iniciativa também não é nova. Em 2011, a autarquia anunciava a disponibilização de uma área de 10 457 m2 de terreno, que poderia ser ocupado para horticultura. Também naquela altura, o objetivo era dar prioridade às pessoas carenciadas do concelho. O espaço foi utilizado por dezenas de famílias e chegou a ser palco de um festival de espantalhos, feitos com recurso a materiais reutilizados (ainda que a sustentabilidade não fosse uma preocupação tão premente na altura).
As hortas acabaram por desaparecer quando o terreno foi utilizado para a criação do Parque Verde, em homenagem ao falecido autarca Aires Ferreira. A obra criou uma necessidade de deslocalização, que resultou na transformação do espaço atual, situado junto ao Bairro de Santo Cristo. Assim que foram anunciadas, rapidamente as parcelas de terreno gratuito foram ocupadas, levando a autarquia a considerar a possibilidade de alargar a iniciativa a outros locais. “É algo que estamos a analisar”, diz a vereadora Piedade Meneses.