Em Setembro de 2019, Portugal viu ser apresentada a sua primeira Casa da Dança. Nascia, então, pelas mãos da Câmara Municipal de Almada e do coreógrafo Paulo Ribeiro, uma estrutura pioneira no nosso país, que acompanha assim o panorama internacional e sobretudo europeu, onde são cerca de 20 os projetos que se identificam com o conceito de “casa da dança”, impulsionando a partilha e crescimento do setor. Mas terá este espaço somente valor para os artistas e agentes culturais? Ou será essencial na preservação e desenvolvimento da identidade artística de um país?
Embora ainda na sua fase de implementação, a Casa da Dança de Almada cumpre já a sua missão de estabelecer em Portugal um projeto inteiramente dedicado à criação e promoção da dança. Nas palavras de Paulo Ribeiro (num texto publicado no Dia Internacional da Dança, no passado mês de abril), “A Casa da Dança quer-se de todos e para todos aqueles que fazem da Dança o seu modo de intervir na vida e no mundo. Uma casa, que podem ser várias e que aproxima o individual do coletivo. O Local do Global, de forma feliz”. De facto, os artistas estão no centro do processo de desenvolvimento da programação, já que foram desafiados a participarem ativamente na sua idealização e planeamento. Além de residências artísticas e oficinas/workshops, a Casa da Dança propõe-se também apoiar artistas emergentes através do Apoio a Primeiras Obras. Ainda que os seus alicerces não se tenham (ainda!) erguido - e a ausência de um espaço físico traga desafios à sua divulgação – o projeto da Casa da Dança de Almada vai redesenhando a atividade local e as colaborações entre agentes culturais e estruturas municipais, uma vez que se encontra distribuído por vários locais da cidade.
Pensada e desenvolvida numa parceria entre a Câmara Municipal de Almada, Companhia de Dança de Almada, Companhia de Teatro de Almada e Companhia Paulo Ribeiro, a Casa da Dança promete ser um teto para a dança portuguesa, ao mesmo tempo que abre as suas janelas ao contexto internacional e as suas portas a uma maior diversidade de públicos, que são convidados a entrar e a conectarem-se mais profundamente com criadores e performers.
São muitos os casos de sucesso ao longo da Europa, onde o conceito de Casa da Dança não é, de todo, recente. Os primeiros espaços emergiram na década de 1970 e começaram a afirmar o seu lugar no ecossistema das artes performativas. Partilham missões bastante semelhantes: apoiar artistas em diversos momentos dos seus processos criativos, ao mesmo tempo que trabalham com a comunidade local e se conectam com a esfera internacional. Grandes estruturas como a Sadler’s Wells (Londres, Reino Unido), Maison de La Dance (Lyon, França) ou as Dansens Hus escandinavas colocam as Casas da Dança no mapa, distinguindo-as dos Teatros Nacionais ou das Óperas.
Foi precisamente sobre o valor de uma Casa da Dança que conversei com Giordana Patumi, artista e produtora cultural residente em Perugia, Itália. Durante o último ano, desenvolveu uma investigação sobre estas infraestruturas e o seu impacto social, cultural e económico num país. Utilizando como principal estudo de caso a Casa da Dança de Helsínquia (Tanssin Talo), que irá abrir portas em 2022, reflete sobre a necessidade de criar uma residência nacional para a dança, em sinergia com o cenário internacional. E porquê? Para Giordana, não restam dúvidas: “uma Casa da Dança não é apenas um lugar onde o público vai e tem uma atitude passiva. Há uma conexão neurológica entre o corpo que atua e o corpo que assiste. Há vários estudos que comprovam que são muitas as pessoas que, após assistirem a um espetáculo de dança, sentem automaticamente vontade de fazer algo, quer seja dançar ou ouvir música. A dança ativa uma resposta cerebral. Além disso, um projeto estritamente dedicado à dança permite que se compreenda em mais profundidade quem é o seu público e o que procura ver. No contexto local, causa também impacto nos seus vizinhos culturais, podendo abrir portas a projetos multidisciplinares e à troca de conhecimentos entre setores”.
Uma Casa da Dança é, sem dúvida, uma infraestrutura chave no panorama cultural de um país, destacando a sua própria História da dança, que acompanha inevitavelmente todas as questões políticas e sociais que a rodeiam. É, por isso, o ponto de encontro da reflexão, criação e apresentação de um leque de propostas criativas. É um espaço que apela ao diálogo e a um espectador ativo que questiona e reage. E esse é o espectador que devemos ser todos nós.
-Sobre Inês Carvalho-
Inês é bailarina e professora, gestora de comunicação cultural e escreve regularmente sobre o que mais gosta: dança. A mente inquieta levou-a a criar a agência de comunicação Diagonal Dance. O corpo inquieto levou-a a dividir o seu tempo entre Portugal e o Reino Unido.