O mês de setembro assinala o regresso de três dos mais importantes festivais de dança contemporânea do nosso país: a Quinzena de Dança de Almada, o FIDANC (Festival Internacional de Dança Contemporânea, em Évora) e o regresso do CUMPLICIDADES, em Lisboa, após a sua interrupção em março devido à evolução da pandemia de Covid-19. Atualmente, são perto de vinte os festivais dedicados à dança contemporânea no nosso território. A este número podemos ainda somar as mais de duas dezenas de festivais de artes performativas onde a dança encontra espaço na programação, a par do teatro ou da música. Fazendo as contas, o resultado parece risonho para o setor da dança em Portugal. Mas será que este número traduz efetivamente uma aproximação dos portugueses a esta expressão artística?
Programar um festival exclusivamente dedicado à dança contemporânea traz sempre consigo um enorme desafio: o seu público. O facto de ser uma prática com forte caráter experimental torna difícil a conquista de um público mais geral, sendo muitas vezes olhada como uma atividade de nicho ou elitista. Há alguma reticência em encarar a pluralidade de conceitos ou de estéticas de movimento que sobem ao palco. Há, acima de tudo, o receio da incompreensão, o que contribui para aumentar a distância entre o palco e a plateia, entre os artistas e o público. A missão de um programador passa por reduzir essa distância - e é aqui que os festivais assumem um papel fundamental: o de clarificarem qual é o papel do espectador. A dança contemporânea não procura um espectador passivo, mas sim um espectador ativo que pensa, questiona e participa.
Para conquistarem um público mais diverso e torná-lo um consumidor de dança mais ativo, são muitos os festivais que incluem atividades paralelas na sua programação, através de workshops, conversas pós-espetáculo ou serviços educativos. Um desses exemplos é a iniciativa ‘Embaixadores da Dança’ do festival GUIdance (Guimarães), onde vários coreógrafos vão até às salas de aula falar sobre os seus percursos artísticos com os mais novos, que vão posteriormente assistir às performances. E quando o público mais geral continua a não entrar nas salas de espetáculo? Leva-se a dança à comunidade, como é o caso do Festival Dias Da Dança (Porto, Gaia e Matosinhos) que conta com o ‘DDD Out’, uma série de performances pensadas para o espaço público. Há também festivais, como é o caso do CUMPLICIDADES, que introduzem uma temática diferente em cada edição, facilitando a conexão entre espetáculos, bem como a forma como o espectador pode refletir sobre esse tema ao longo do festival.
O facto da dança ser uma linguagem universal permite a sinergia entre uma programação nacional e internacional, enriquecendo não só a experiência do público, mas também dos próprios artistas. Quando pensamos no valor de um festival de dança contemporânea, devemos pensar nos dois lados da moeda: há, indiscutivelmente, a oportunidade de chegar a públicos mais diversos, mas há igualmente espaço para conectar artistas e a comunidade da dança. Este fator é fundamental sobretudo para jovens criadores, que encontram nos festivais a estrutura necessária para apresentarem os seus trabalhos e para estabeleceram novas ligações.
O maior valor de um festival de dança contemporânea traduz-se, então, na capacidade de desenvolver e conectar - tanto artistas como públicos.
Programar um festival em tempos de pandemia
Quais os maiores desafios que a Covid-19 trouxe à forma como experienciamos dança? Para Maria Franco e Ana Macara, Diretoras Geral e Artística da Quinzena de Dança de Almada, que arrancou no passado dia 18 de setembro, foram inúmeras as alterações aos planos de organização do festival: “Várias companhias estiveram programadas e depois precisaram ser canceladas. Decisões quanto aos espaços de apresentação foram sendo alteradas conforme a evolução da pandemia. Sempre confiámos que o festival se iria realizar, mas, na realidade, foi necessário um grande esforço de adaptação”.
Apesar de destacarem o papel fundamental da dança ao vivo na relação do público com a performance, a pandemia obrigou a novas formas de repensar o festival, que conta este ano com mais iniciativas digitais. São este ano apresentados em streaming os espetáculos da Plataforma Coreográfica Internacional, o que permite também chegar a um público internacional que não pode viajar. Há ainda uma sessão com estudos de videodança criados durante o período de confinamento, que “serve para ver que, apesar de tudo, as dificuldades também podem contribuir para estimular a criatividade”, acrescentam.
Embora com uma missão mais condicionada este ano, a Quinzena de Dança de Almada continua a destacar o impacto positivo dos festivais de dança contemporânea: criadores de diferentes origens, gerações e técnicas reúnem-se e criam novas oportunidades de intercâmbio. Ao mesmo tempo, dão conhecimento ao público acerca da diversidade e potencialidade artística desta área.
A dança contemporânea imprime no palco uma realidade que pertence a todos nós – seja ela social, política, cultural. E essa realidade não é, de todo, um nicho.
-Sobre Inês Carvalho-
Inês é bailarina e professora, gestora de comunicação cultural e escreve regularmente sobre o que mais gosta: dança. A mente inquieta levou-a a criar a agência de comunicação Diagonal Dance. O corpo inquieto levou-a a dividir o seu tempo entre Portugal e o Reino Unido.