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“Europa Oxalá”. “O que fizemos com a nossa memória colonial?”

Vinte e um artistas plásticos europeus com origens familiares nas antigas colónias, em África, refletem…

Texto de Redação

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Vinte e um artistas plásticos europeus com origens familiares nas antigas colónias, em África, refletem sobre as suas heranças, memórias e identidades. Com curadoria de António Pinto Ribeiro, Katia Kameli e Aimé Mpane, a exposição “Europa Oxalá” apresenta, até dia 22 de agosto, na Gulbenkian, cerca de 60 obras, que propõem um repensar da Europa como um projeto cosmopolita e pós-migratório, através de uma perspetiva crítica sobre transições pós-coloniais e a persistência, no presente, de múltiplos legados da história colonial europeia.

Entre obras de pintura, desenho, escultura, filme, fotografia e instalação, encontramos trabalhos de Aimé Mpane, Aimé Ntakiyica, Carlos Bunga, Délio Jasse, Djamel Kokene-Dorléans, Fayçal Baghriche, Francisco Vidal, John K. Cobra, Katia Kameli, Mohamed Bourouissa, Josèfa Ntjam, Malala Andrialavidrazana, Márcio Carvalho, Mónica de Miranda, Nú Barreto, Pauliana Valente Pimentel, Pedro A. H. Paixão, Sabrina Belouaar, Sammy Baloji, Sandra Mujinga e Sara Sadik.

Os seus pais e avós nasceram e viveram nas antigas colónias europeias em África, como Argélia, Congo, Angola, Madagáscar e Benim, é dito no catálogo desta exposição. Dos seus antepassados, estes artistas herdaram memórias “que não são só vozes, sons e gestos, mas também imagens e recordações das suas culturas de origem, pontos de partida para um importante trabalho de investigação nos arquivos históricos, familiares ou institucionais.”

António Pinto Ribeiro, comissário da mostra – juntamente com Katia Kameli e Aimé Mpane, ambos artistas também representados na Gulbenkian –, explica que “Europa Oxalá” se trata de uma exposição “que quer quebrar clichés, dando a ver e a sentir uma energia nova que olha para o futuro”.

O título da mostra aponta exatamente nesse sentido ao introduzir uma palavra – "oxalá" – que resulta de séculos de integração e que traduz uma ideia de futuro em construção, numa Europa que é solo comum a todos estes artistas.

Na opinião dos comissários, o carácter inovador e transnacional do trabalho destes artistas da “pós-memória” tem vindo a marcar profundamente a paisagem artística e cultural das últimas duas décadas. O modo como alguns deles conjugam linguagens contemporâneas e processos tradicionais testemunha o poder criativo da diversidade cultural europeia contemporânea, abrindo novas perspetivas à própria noção de Europa.

Nesta exposição, o presente e as vivências misturam-se com as memórias, apelando à urgência de pensar uma Europa pós-migratória. “O que fizemos com a nossa memória colonial? Como dizer, hoje, que fazemos todos parte da Europa?”, interrogava-se Aimé Mpane, na apresentação aos jornalistas.

O conjunto de obras, que estará exposto na Galeria Principal da Fundação Gulbenkian, entre 4 de março e 22 de agosto, alimenta uma reflexão original sobre o racismo, a descolonização das artes, o estatuto da mulher na sociedade contemporânea ou ainda sobre a desconstrução do pensamento colonial.

"Europa Oxalá" na Fundação Calouste Gulbenkian. Fotografia de Pedro Pina

Este projeto – que junta o Mucem - Musée des Civilisations de l'Europe et de la Méditerranée, em França, o Museu Real da África Central – AfricaMuseum, na Bélgica, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) e a Fundação Calouste Gulbenkian – “nasce da convicção de que estes artistas são a expressão de uma Europa heterogénea e cosmopolita, e cuja obra artística pode ajudar-nos a compreender as transformações sociais e artísticas em curso”, escreveu, no catálogo, Isabel Mota, à data presidente da Fundação Calouste Gulbenkian.

Uma parte importante destes profissionais das artes provém da Bélgica, de França, ou de Portugal, onde vivem ou trabalham. “Estes três países têm em comum um passado colonial e, de uma forma ou de outra, cada um destes artistas, que se assumem como europeus, abordam essa experiência, tocando em temas como a identidade, a circulação e a mobilidade, a colonização e a descolonização, de saberes e conhecimento, a convivência religiosa e comunitária, a justiça e igualdade social ou conceitos como a reparação”, nota Isabel Mota.  

Artistas da “pós-memória”

“Europa Oxalá” é um dos resultados mais relevantes do vasto trabalho de pesquisa levado a cabo pelo projeto Memoirs – Filhos do Império e Pós-Memórias Europeias, do CES, e reúne um conjunto de trabalhos que têm em comum o gesto experimental de figuração da pós-memória, através de práticas artísticas, e com o objetivo de ser um contributo inovador para um debate que, mais do que uma simples reinterpretação do passado, se centra na "definição de uma hipótese de futuro."

Como explicado na inauguração exposição teve como ponto de partida a vontade de trazer um novo olhar para a produção criativa de artistas afrodescendentes que, na sua maioria, cresceram e estudaram na Europa, mas cujas obras exprimem uma herança cultural ligada às memórias familiares, mesmo não sendo memórias diretas. “As suas obras, na surpreendente diversidade do seu propósito artístico, confrontam-nos com os grandes questionamentos sobre as relações entre as ex-colónias e a Europa”, nota, no catálogo da exposição, António Pinto Ribeiro, também programador cultural e investigador do projeto Memoirs. Sobre o conceito de “pós-memória”, refere que este diz respeito às memórias transmitidas pela família. “Implica as memórias familiares, as memórias culinárias, as memórias do país de origem, dos traumas de guerra, da imigração”, clarifica. “Tudo isto tem uma forte carga emocional e afetiva, em função da ligação que se tem com o passado.”

Dos vinte e um artistas que se encontram representados em “Europa Oxalá” nem todos têm uma experiência biográfica relativamente a África, “contudo, os seus trabalhos sobre as questões pós-coloniais fizeram com que eles se aproximassem destes temas”, explicou António Pinto Ribeiro, na inauguração da mostra. “Há artistas que não têm nenhuma afiliação africana nem são afro-europeus, contudo, são determinantes”, reforçou.

Outro aspeto realçado pelo comissário é o desmontar da ideia “racista de que os artistas afro-europeus trabalham apenas a partir do artesanato”. Os que participaram na exposição tiveram, na maior parte dos casos, uma formação europeia, tendo por isso “esta dimensão das linguagens europeias artísticas e, ao mesmo tempo, a expressão das memorias, daquilo que de alguma forma herdaram difusas dos seus pais e avós”, sublinha.

“Mais do que questionamentos relativamente à memória e aos passados coloniais, propomos novas estéticas que podem ser estéticas universais onde encontramos Arte com um A maiúsculo”, escreve Aimé Mpane, no catálogo da exposição, onde Katia Kameli expressa o seu objetivo de, com esta mostra, “mudar os estereótipos e os códigos de um História da Arte patriarcal e egocêntrica.” Para o artista e comissário, “apesar de os estudos pós-coloniais irem de vento em popa, em certas instituições, ainda há um enorme problema de visibilidade e de classificação simplista relativamente aos artistas das diásporas.” Por isso, em “Europa Oxalá”, se misturam diferentes gerações e estéticas. “Mostrar a riqueza da multiplicidade” é uma ambição, até porque, escreve, “não há só uma história colonial, ou uma só diáspora.”

"Europa Oxalá" na Fundação Calouste Gulbenkian. Fotografia de Pedro Pina

No catálogo que acompanha a exposição, António Pinto Ribeiro escreve ainda que “não haverá processo de descolonização dos museus se não houver um processo de descolonização do mundo”. Até lá, o caminho faz-se dentro de uma galeria em que as paredes envidraçadas nos convidam a olhar para o exterior. “A arte está no mundo, não está fechada em nenhuma caixa branca”, justificou o curador na visita guiada, que arranca com Dada (2018), uma escultura de Sabrina Belouaar em que dois punhos parecem prestes a soltar-se de um cinto. “A gramática desta instalação é bastante simples, mas muito direta e forte”, assinala Katia Kameli, artista e comissária, que destaca o diálogo entre diferentes gerações e "as diferentes estéticas que os artistas estão a trazer.”

Inicialmente apresentada no MUCEM - Musée des civilisations de l’Europe et de la Méditerranée, a mostra seguirá para o Museu Real da África Central – AfricaMuseum -, em Tervuren, na Bélgica, após a apresentação em Lisboa. A exposição integra a Temporada Cruzada Portugal-França.

Programa paralelo à exposição

“Europa Oxalá” conta com um programa paralelo de conferências, mesas-redondas, concertos-performance e fins de semana musicais, em diálogo com os temas e as obras dos artistas em exposição. António Sousa Ribeiro e Bénédicte Savoy, historiadora da arte especializada na investigação crítica da proveniência de obras de arte – incluindo arte saqueada e objetos culturais adquiridos ilegalmente – foram já os primeiros oradores convidados. Teresa Basile, Christine Eyene, Paulo Faria, Olivier Hadouchi e Silas Tiny são outros dos intervenientes no ciclo programático organizado em torno da mostra.

Nos meses de junho e julho, o público será ainda convidado a participar em três fins de semanas musicais no jardim, num programa com curadoria de Dino d’Santiago. Haverá também cinema ao ar livre e um momento de teatro criado e protagonizado pela atriz e encenadora Zia Soares.

Texto de Redação
Fotografia de Pedro Pina

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