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Maribel López: “A cena artística portuguesa é fortemente arraigada, mas com uma visão internacional”

Após dois anos de condicionantes, a ARCOlisboa está de volta à capital. Esta edição da…

Texto de Sofia Craveiro

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Após dois anos de condicionantes, a ARCOlisboa está de volta à capital. Esta edição da Feira Internacional de Arte Contemporânea marca um regresso em pleno, após a pandemia ter condicionado a realização do evento.

Entre 19 e 22 de maio o certame decorre na Cordoaria Nacional onde estarão presentes, no total, 65 galerias procedentes de 14 países. Estas vão estar divididas em três áreas: o programa geral, que conta com 43 galerias; o Opening Lisboa, dedicado a talentos emergentes (e no qual figurarão 13 galerias selecionadas por Chus Martínez e Luiza Teixeira de Freitas); e o espaço África em Foco, que é composto por 9 galerias selecionadas do Uganda, Moçambique, África do Sul, Angola, França e Portugal, por Paula Nascimento.

Maribel López, diretora da Arco desde 2018, está em Lisboa para presidir ao evento e falou com Gerador sobre o passado e futuro deste certame que teve a sua génese em Madrid. Admitindo os desafios causados pela pandemia, a responsável destaca o impacto da feira na arte ibérica e sublinha a dinâmica da cena artística portuguesa e lisboeta que a tornou possível. “Tem que ver com a qualidade e com a complexidade no bom sentido”, diz.


Gerador (G.) – A Arco realizou-se pela primeira vez em Madrid, em 1982. O que trouxe de novo ao panorama artístico e cultural europeu?

Maribel López (M. L.) – Primeiro, há que pensar que, no ano 1982, Espanha era uma democracia muito recente e era um país – e especialmente um contexto artístico – com muita necessidade de modernidade, muita necessidade de conhecer, de aprender, de romper hábitos tradicionais. E esse contexto, com uma cena artística que durante toda a ditadura havia estado subjacente, não era visível... outras vezes, inclusivamente havia até saído do país...

Neste momento, dá-se, então, a oportunidade de dar voz a essa criação. Essa é sobretudo a origem conceptual da feira: essa oportunidade de gerar um contexto de influência de informação internacional para o contexto nacional e a possibilidade de dar a conhecer, fora das fronteiras de Espanha, o que se estava a fazer em Espanha. Então o que se procurava nessa feira de 1982 era, sobretudo, maneiras de modernizar o país. Bom, eu creio que isso é fundamental para o que depois seria a agitação no final de todos os anos 80. A ARCO contribuiu muitíssimo para esse contexto.

G. – Como tem sido a evolução desde essa altura? A afirmação no meio artístico?

M. L. – O meio artístico, como digo, estava aí. Começaram a surgir galerias... havia galerias desde os anos 70.

Por exemplo: a fundadora da feira é uma galerista, Juana de Aizpuru, que cumpriu 50 anos [de atividade] agora. A sua galeria abriu em 1971. Então, esse meio artístico estava [lá], tinha vontade de se dar a conhecer, de aprender e, como disse, de modernidade, de saber o que se passava lá fora, de dar a conhecer a arte que estava a produzir. Essa é a origem e essa é a necessidade, essa fome de conhecer, também.

G. – Acha que a pandemia veio reconfigurar um pouco o mercado da arte contemporânea?

M. L. – Bom, eu creio que a pandemia veio reconfigurar todos os nossos cérebros, realmente, mas em relação ao mercado da arte contemporânea, o que tenho observado, tem sido... porque eu penso sempre que as galerias são lugares incríveis. Lugares que, às vezes, são muito mais do que todos nós que trabalhamos nisto somos capazes de explicar.

As galerias são lugares onde os artistas criam, onde se discute que obra se vai ou não produzir (se é a primeira criação dos artistas). Os galeristas também têm de ter a capacidade [de ter] uma conversa intelectual com os seus artistas, mas, ao mesmo tempo, têm de ser capazes de vender. A obra tem um carácter comercial. Têm de saber ser administradores e fazer negócios. As galerias são toda esta complexidade. Eu creio que, quando chegámos à pandemia, isto tornou-se muito difícil, porque não houve feiras de arte, não houve viagens. Esta parte social, que é mais conhecida do galerista, paralisou.

G. – Perdeu-se o contacto.

M. L. – Claro. Havia uma dinâmica de muitas feiras, muitas viagens, muitas inaugurações... isto perde-se. Era com isto que as galerias – que, como digo, são muito ricas nas suas capacidades – tiveram de inventar novas formas. E o que fazem? Por um lado, eu creio que se trabalha o colecionismo de proximidade. Preocupam-se muito em ter uma relação com os seus colecionistas próximos, e estes também se dão conta da importância de apoiar e também de estabelecer estratégias digitais, que as galerias tinham pouco desenvolvidas. Porque é verdade que o mundo da arte e o mundo das feiras incorporam isso muitíssimo. É um mundo de encontros, no qual, antes desta paragem das feiras, galerias, nos desenvolvemos digitalmente.

Eu creio que isso foi muito importante na pandemia, porém, não se perde. Isso eu tenho a certeza. Vamos ver agora aqui em Lisboa. Em Madrid, já temos visto a necessidade de encontro, a necessidade de as pessoas se encontrarem em frente a uma obra de arte, contemplá-la e discutir sobre ela, falar sobre ela.

G. – Portanto, esta retoma dos eventos presenciais é importante? Até porque o número de inscritos continua a ser um pouco inferior ao que era em 2019...

M. L. – Sim, é um pouco inferior, mas porque organizámos assim. Teremos uma parte de projetos que estavam na parte das competições e acabavam por não ter o público que tinham as outras secções, com os quais demos essa volta. Temos crescido um pouco no espaço principal e, desse modo, há menos cinco galerias. Mas é apenas uma redução. Creio que não é assim tão significativa, mas é mais de ajuste para que as galerias tenham êxito. É essa a nossa obsessão. [...]

G. – Como encara o mercado da arte em Portugal? E como acha que este se liga ao espanhol?

M. L. – Eu acho que é diferente, mas tem algo que é muito bonito e que tem muito que ver com a origem desta feira e com a sua continuidade, que é a riqueza da cena artística, a qualidade artística, a qualidade de galerias e o apoio dos seus colecionistas. Essa equipa, digamos, essa tríade é muito importante e funciona muito bem neste contexto. Esse é o motivo original da ARCOlisboa. Tem que ver com a qualidade e com a complexidade no bom sentido, com a riqueza desta cena.

Além disso temos visto que, nos últimos anos, desde que existe a ARCOlisboa – e tentando também compreender o que contribuímos – vemos que têm aberto mais galerias do que [aquelas] que têm fechado com a pandemia. Em vez de fecharem, mais galerias têm aberto. E isso é o que uma feira contribui para um contexto, porque dinamiza um mercado. Mas esse mercado estava cá. Esse apoio dos colecionistas aos seus artistas e às suas galerias estava cá, por isso é que se pode fazer uma feira, que existia e não ao contrário.

Do mesmo modo, a cena cultural, institucional, estava de boa saúde, com projetos muito interessantes. É o que vemos quando as pessoas procuram, quando vêm os colecionistas de fora e também espanhóis, da Europa... sobretudo agora, que o passo seguinte, de futuro, é abrir mais essas fronteiras, dar a conhecer mais a cena portuguesa.

G. – Desde 2016, qual o balanço que faz da ARCOlisboa?

M. L. – Um balanço positivo, que se complicou muitíssimo com a pandemia, claro. E vamos agora celebrar o quinto aniversário presencialmente, porque realmente não podíamos [em 2021]. Em maio, não era possível, quando tentámos fazer em setembro não foi possível por toda a situação sanitária.

Creio que o balanço é de um crescimento muito óbvio, como digo, ao nível da cena. Não tanto [no que respeita] às dimensões da feira. A feira tem de se estabilizar e funcionar muito bem para poder crescer. Nesse sentido, a feira funciona muito melhor, todavia, para as galerias locais do que para as de fora, com as quais temos de continuar a trabalhar para que isso se equilibre, para que possa crescer. Então, creio que o balanço é complexo de fazer. Não é apenas positivo porque a situação não nos permitiu isso. Mas gosto de pensar isso, que um dos sinais do êxito é a própria cena [artística].

G. – Além do programa aqui em Lisboa, têm previsto uma visita ao Porto, a Serralves, e a São João da Madeira, ao Centro de Arte Oliva. A feira poderá vir a alargar-se a outras localizações em Portugal, no futuro?

M. L. – Bom, não a feira em si... creio que é importante o espaço, a cidade de Lisboa, a Câmara Municipal [de Lisboa] é parceira na organização, além do mais...

Mas, sim, pareceu-nos importante, desde a experiência em Madrid, explicar que esta feira é para Portugal inteiro. E a cena do Porto é muito importante, a nível de galerias, de colecionadores, a nível de instituições.

Também nos parece, como digo, que as pessoas que vierem de fora, vêm para saber mais do cenário português. Essa viagem – que é feita com um grupo de jornalistas, galerias e amigos, colecionistas – vem explicar isso: esta feira é para Portugal. Então é bem-sucedida por si, e as pessoas gostam, mas, noutro ano, podemos obviamente, optar por uma outra visita, outra viagem, sempre fora dos dias da feira, para que nesses dias toda a gente se concentre. Mas sim... porque não?

G. – Lisboa tem, então, vindo a afirmar-se como hub criativo e artístico?

M. L. – Eu creio que é. Sempre pensei que é, porque, realmente, a quantidade de artistas e a geração de artistas... é uma coisa muito bonita as genealogias dos artistas portugueses quando trabalham localmente e como trabalham internacionalmente. Eu vivi em Berlim... sou de Barcelona, vivo em Madrid, mas vi artistas portugueses sempre, também quando estive em Londres... Então, creio que a cena portuguesa e lisboeta é fortemente arraigada, mas com uma visão internacional e isso parece-me muito bom.

G. – Qual é o feedback que tem recolhido dos colecionadores relativamente às galerias e aos artistas portugueses que aqui vão estar presentes?

M. L. – Isso é uma das coisas mais positivas. Eu creio que, realmente, os fascina descobrir bem a cena [artística]. Por isso, quando chegamos à feira, não nos preocupamos com isso. Por isso também alterámos, este ano, o número de artistas, para que haja menos nos stands e se veja melhor. Mas também é muito importante o que se passa nas instituições, e elas fazem um trabalho muito bom nessa apresentação em profundidade da arte portuguesa.

G. – Pode a arte contemporânea servir de mote ao estreitamento de ligações entre Portugal e Espanha? Até a nível económico?

M. L. – Sim, sem dúvida. Eu acredito que essa é uma relação que tem 40 anos. Essa relação que surge e se solidifica muito bem em Madrid. A presença de galerias portuguesas na ARCOmadrid é importantíssima... e de colecionadores também. Agora acontece o mesmo. Esta edição da feira, quando a virmos, damo-nos conta de que é uma feira muito ibérica, com uma presença fortíssima de galerias portuguesas e espanholas e uma presença internacional mais reduzida. São galerias de 14 países, mas, no fundo, o core é Portugal e Espanha. Essa relação é claríssima. Eu creio que está muito bem consolidada a nível de intercâmbios de artistas, a nível de interesses do colecionador e agora temos estes dois lugares para fazer novas investigações. Daí que vamos fazer este projeto de África em Foco também, porque uma feira tem de pensar que mais pode oferecer. Sabemos as vantagens que temos: a cena portuguesa, sem dúvida, em diálogo com a cena espanhola, e daí investigamos juntas. [...]


A ARCOlisboa é organizada pela IFEMA Madrid e pela Câmara Municipal de Lisboa.
Esta entrevista surgiu no âmbito do programa EP COLAB 2021, promovido pela AECID – Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, Embaixada de Espanha em Portugal e o Gerador. Trata-se de um programa de atividades digitais que pretende colocar em contacto artistas e entidades culturais espanholas e portuguesas. Descobre mais aqui.
Texto de Sofia Craveiro
Fotografias de Inês Albuquerque

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