O poema de Camões certamente não se aplica à conduta do poder político em Portugal neste momento. Tal constante torna-se saliente se recordarmos os famosos três F's do Estado Novo: Futebol, Fátima e Fado.
Depois de um verão imerso em notícias sobre as Jornadas Mundiais da Juventude, onde se gastou significativo dinheiro público num evento religioso, sobre o regozijo dos mais importantes atores políticos do país, soubemos agora que Portugal irá participar na organização do mundial de futebol de 2030.
Anúncio feito e surge então o que parece ser agora o nosso novo "Fado": um entusiasmo orwelliano das mais altas figuras do estado perante notícias alheias aos problemas vividos pela sociedade, seguido por promessas infundadas de retorno económico. Estas justificações já poderiam ter sido substituídas por outras menos usadas, dado que já observamos todos o fiasco financeiro que foi o euro de 2004 e o não retorno económico que nos presenteou a rave cristã do passado verão.
Numa altura de sintomas de colapso do sistema nacional de saúde, do ensino público, de crise habitacional, de emergência climática, como poderemos medir o nível de perversidade de apenas observarmos entusiasmo, mobilização e eficiência na organização de eventos religiosos e futebolísticos? Será isto ilusionismo político? Será mesmo necessário impulsionar o nome de Portugal para atrair mais turismo através de eventos destes? O poder político acredita mesmo que tornar um país um parque de diversões é uma política de futuro?
Factualmente, em véspera da celebração dos cinquenta anos da revolução de abril, dois F’s do antigo regime continuam a ter um desaconselhado nível de promiscuidade com o poder político. Será fácil subentender que, como em todas as relações, a condição de manutenção norteia-se pelas vantagens mútuas. O governo utiliza, assim, instituições que continuam a mexer com o emocional da população para a desconcentrar dos seus problemas sociais, deixando ainda como topping a expectativa de que estas ações poderão ainda fazer parte da solução. Infelizmente, este tipo de manobra política não é só característica deste governo, de outros anteriores também o foi, mas é sobretudo elucidativo perceber que é uma estratégia amplamente utilizada por regimes não-democráticos.
Para além de estarmos perante uma gritante demonstração de imaturidade política por parte do governo atual, ao acreditar que este tipo de manobra funciona num regime democrático, com pessoas livres e informadas, parece-me que este sucessivo mediatismo em torno destes eventos é apenas sintomático da atual estagnação da ação política.
Estimados governantes, os direitos não se esquecem, não se diminuem, não se reduzem a palavras e, acima de tudo, não desaparecem com o tempo, nem com a vossa vontade. Mudam-se os tempos, mantêm-se os direitos.
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