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Ninguém morre sozinho: porque é importante ouvir e falar com quem fica depois de um suicídio

Sofia Santos Nunes, cronista convidada na sequência da reportagem «Suicídio em Portugal: como se pensa este comportamento em sociedade» fala-nos do cuidado que devemos ter com aqueles que ficam depois de um suicídio.

Texto de Redação

Fotografia da cortesia de Sofia Santos Nunes

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Nunca ninguém nos prepara para lidar com a morte e com a perda, muito menos para lidar com a morte por suicídio. Edwin Shneidman, pai da Posvenção – área que estuda o processo de luto por suicídio e intervém na redução dos danos decorrentes do seu impacto nos enlutados –, já em 1973, afirmava que “A morte de uma pessoa não é apenas um fim, mas é também um começo para os sobreviventes. Com efeito, no caso de suicídio, o maior problema de saúde pública […] é a redução dos efeitos do stress nas vítimas sobreviventes de mortes suicidas, cujas vidas são mudadas para sempre e que, ao longo de um período de anos, os números ascendem aos milhões.”

A cada 40 segundos, perdemos uma pessoa para o suicídio em todo o mundo. Cada uma deixa cerca de 6 a 10 “sobreviventes” – familiares, amigos, profissionais – que enfrentam um percurso de sofrimento intenso com uma probabilidade acrescida de 4 a 10 vezes de desenvolver uma perturbação do foro psicológico como a depressão ou o stress pós-traumático e até de atentarem contra a sua própria vida. Assim, é necessário refletir enquanto sociedade: o que estamos, neste momento, a oferecer a alguém cuja vida foi despedaçada pelo suicídio?

Quando os familiares perdem a batalha contra a “doença mental”, demasiadas vezes, deparam-se com o estigma e desconhecimento que envolve o suicídio, as causas simplistas que se tenta impor e o evitamento em falar da perda. Assistem, muitos, à injustiça da redução da sua história de amor à causa de morte desse ente querido. Culpa, vergonha, raiva, incompreensão, confusão mental, choque, negação, tristeza, desespero, ansiedade, perturbações do sono e da alimentação e tantas outras, passam a ser mais do que simples palavras na vida destas pessoas.

Importa lembrar que o suicídio é um fenómeno complexo, multifatorial e multicausal ainda com mais perguntas do que respostas no seio da ciência. Sabemos que pode afetar pessoas de todas as idades e em qualquer momento do ciclo de vida. Sabemos, ainda, que a maior parte das pessoas que morreu por suicídio sofria com problemas de Saúde Psicológica (nomeadamente Depressão, Perturbação Bipolar ou Consumo Problemático de Álcool). Morrer para o suicídio, neste contexto, não é uma escolha livre e feita em pleno controlo das suas capacidades mentais. Se não culpamos (e bem!) as pessoas que sofrem, por exemplo, da doença de Alzheimer pelo seu comportamento alterado, porque é que ainda assistimos à responsabilização das vítimas do suicídio e das perturbações do foro psicológico? E demasiadas vezes, das suas famílias?

Então, o que podemos fazer para realmente ajudar quem sofre e quem fica depois de um suicídio? Comecemos por reconhecer, humildemente, a complexidade dos temas abordados, que não há respostas fáceis ou certas e que cada luto é vivido de forma idiossincrática.

Escutar sem julgamento e de forma empática é provavelmente um dos maiores desafios da comunicação interpessoal que também aqui se aplica. Lembremo-nos, então, de criar espaços de confiança e de permissão para sentir e partilhar livremente o que para cada sobrevivente for a sua realidade momento a momento. Talvez, se perguntássemos mais o que é que cada sobrevivente necessita num determinado momento, abríssemos o tão desejado caminho do saber “como podemos ajudar”.

Por outro lado, é preciso democratizar o acesso aos serviços de saúde mental e a literacia em saúde psicológica para que a ajuda chegue mais rápido e de forma mais eficaz. Talvez muitos de nós ainda não saibamos que se estivermos em apuros e seriamente preocupados com alguém que está em risco de morrer para o suicídio, podemos ligar imediatamente para a Saúde 24 ou para as linhas telefónicas especializadas como a SOS Voz Amiga. No lado de lá, encontraremos profissionais ou voluntários que saberão como agir nestes casos. Contudo, para isto, há que saber reconhecer alguns sinais de alerta (em nós e nos outros), os quais podemos consultar, por exemplo, no site da Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio promovida pela Direção-Geral da Saúde. Lá também encontraremos outros guias e recursos para as mais variadas situações.

Falar sobre estas temáticas não é o problema, mas sim continuarmos a viver como se elas não existissem ou falar sem conhecer o fenómeno. Com o objetivo de quebrar este muro, romper o silêncio que envolve o suicídio e os sobreviventes, nasceu a Associação Sobre Viver Depois do Suicídio. Este espaço nasceu para falar com e sobre os sobreviventes, para partilhar da sua tristeza, lembrar com amor quem partiu e construir a jornada para além do sobreviver.

Informar, apoiar e mostrar compaixão para quem está nesta situação salva vidas e dá vida e propósito a quem fica. Os sobreviventes são mais do que uma ferida aberta, são vozes de esperança que precisam de ser envolvidos nas decisões e nos planos sobre a Prevenção do Suicídio. Eles, melhor do que ninguém, são testemunhos vivos da complexidade do fenómeno.

Por isso, juntemo-nos em torno a essa esperança para lhe dar cara e vida. Falar sobre suicídio é preciso, falar sobre quem partiu é uma brisa de ar fresco e não algo a evitar. E ao mesmo tempo, não esqueçamos que quem fica continua a ter direito à vida em todo o seu esplendor.

Hoje, sabemos que há outras vias a este desfecho, que os serviços de saúde mental funcionam muito melhor e que pedir ajuda é crucial para se ser ajudado. Podemos não saber tudo sobre como prevenir a 100 % uma das maiores interrogações da experiência humana, mas cabe-nos a cada um de nós procurar conhecer este fenómeno, desmistificá-lo e divulgar o que já sabemos. Contribuir para prevenir o suicídio, apoiar e ouvir quem teve contacto com estas situações toca-nos a todos e é responsabilidade de todos nós enquanto sociedade.

Deixo-te então a pergunta, caro leitor: o que podes fazer por um sobrevivente de suicídio e pela prevenção deste fenómeno na tua comunidade?

- Sobre o Sofia Santos Nunes -
Psicóloga clínica de formação e presidente cofundadora da Associação Sobre Viver Depois do Suicídio, possui várias especializações avançadas nomeadamente em suiciodologia e comportamentos autolesivos pelo Instituto CRIAP. Atualmente, coordena vários projetos comunitários europeus de intervenção psicossocial em entidades públicas e privadas em Portugal e Espanha. É a cronista convidada na sequência da reportagem «Suicídio em Portugal: como se pensa este comportamento em sociedade».

Texto de Sofia Santos Nunes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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