fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Outra Parte: De uma viagem a Madrid

Quando tenho uma viagem pela frente fico numa grande excitação, ansiosa por conhecer um novo…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Quando tenho uma viagem pela frente fico numa grande excitação, ansiosa por conhecer um novo lugar ou por a ele voltar. Há nisto uma contradição porque procuro diminuir o meu impacto na turistificação do lugar, ao mesmo tempo que visito espaços associados às artes e à cultura local. Procuro desconstruir preconceitos que possa ter relativamente à geografia e à população, lembrando-me que nenhum lugar é uma coisa só e que a nossa narrativa tende a ser monolítica mesmo quando a realidade é plural, o que constitui O perigo de uma história única, como refere Chimamanda Adichie.

Em Maio de 2021 comecei a participar da organização da Caravana Zapatista pela Vida, uma travessia por todos os continentes, começando pelo Europeu, a percorrer por uma delegação de companheiros/as das comunidades autónomas de Chiapas (México), do Congresso Nacional Índigena e da Frente de Povos em Defesa da Água e Terra de Morelos, Puebla e Tlaxcala que lutam diariamente contra o narcotráfico e os mega-projetos governamentais que atentam à natureza e à autonomia nas terras que lhes são ancestrais. Na geografia portuguesa coordenámo-nos local e nacionalmente, de forma democrática para planear a Caravana, depois da declaração lançada pelas Zapatistas em Outubro de 2020 e fazendo jus aos valores internacionalistas e solidários que regem os nossos coletivos. As burocracias impostas pelos estados levaram a muitos atrasos nas datas previstas para o arranque da travessia mas sempre soubemos que dia 13 de Agosto estávamos todos/as convocadas a Madrid, para celebrar 500 anos de resistência indígena à colonização. Na narrativa Zapatista referente à queda da maior cidade Mexicana para o Exército Espanhol, a 13 de Agosto de 1521, é reiterado Não nos conquistaram. Assim, decidi marcar presença neste dia, aproveitando para ficar uma semana na cidade. Nesta crónica, quero partilhar-vos algumas reflexões sobre os acontecimentos mais marcantes.

A nível estético-artístico, a experiência mais exigente foi a visita de horas ao Museu Nacional del Prado. Lembrei-me dos anos de ensino secundário em que tive história de arte e das dificuldades sofridas para aprender a matéria. Falava-se em “decorar os nomes dos pintores” mas sabemos que esse estudo não nos permite adquirir qualquer verdadeiro conhecimento. Durante esta visita tornou-se fácil compreender as pinturas de Botticelli, Caravaggio, Van Eyck, Bosch, os quais tinha passado anos a estudar nos livros. Visitar o Museu Nacional Reina Sofia e ao Museu Nacional de Antropologia também foi produtivo. Não pude deixar de notar o caminho de descolonização que ainda está por fazer, já que estes lugares continuam a perpetuar a narrativa hegemónica do nacionalismo espanhol, constituindo-se como instituições aliadas de um Estado-Nação Imperial. No Prado, o que mais salta à vista é a narrativa colonial sobre várias obras trazidas de ex-colónias espanholas. Já nos seguintes, há que abordar o debate sobre a exposição de obras de arte Africana em países ocidentais. No catálogo Eternal Ancestors: The art of the central african reliquary, que acompanhou a grande exposição de relicários de arte africana no The Museum of Art de Nova Iorque em 2007, Alisa LaGamma reiterou a influência das peças nas vanguardas. As máscaras e as figuras de culturas como Kota ou Fang, provenientes de povos ao redor do Golfo da Guiné, que vemos expostas no Museu de Antropologia são, na realidade, indispensáveis para o desenvolvimento das correntes como o cubismo de Picasso, cuja obra Guernica é a principal atração do Reina Sofia. Infelizmente, as peças estão expostas com pouca contextualização e divididas em museus com níveis distintos de reconhecimento.

Participei das atividades referentes à Caravana Zapatista Madrid, já que a coordenação local organizou várias refeições, encontros e um concerto. Chegaram companheiros/as de todo o mundo e uma das intervenções que me marcou, aconteceu na atividade decorrida numa Horta Urbana Comunitária: uma mulher imigrante nos E.U.A. explicou como, no geral, as pessoas se esquecem da outra parte do país, que só vêem o lado da “hegemonia capitalista e consumista”. Eu própria perpetuava uma narrativa preconceituosa dos E.U.A. até ler A liberdade é uma luta constante da Angela Davis, que me relembrou como num país com tantas contradições sistémicas também os movimentos e as resistências são muitas. Já a marcha do 13 de Agosto partiu do Largo das Portas do Sol às e terminou na Praça Cristóvão Colombo, onde o Esquadrão 421, a delegação marítima Zapatista fez a sua intervenção, reiterando que o objetivo da travessia era escutar os grupos, coletivos e lutas regionais da Europa “de baixo e à esquerda”.

Finalmente, gostaria de notar como as temperaturas de Madrid têm aumentado ao longo dos anos, sobretudo em Agosto. Na semana em que visitei a cidade, acontecia ainda uma vaga de calor, as ruas estiveram maioritariamente vazias e uma porção do comércio fechado. Percebi que todas as pessoas que têm a oportunidade de sair sazonalmente fazem-no, o que me leva a retirar duas conclusões empíricas: uma, que as migrações pelo clima já estão a acontecer, alertando-nos para a realidade dos “Refugiados pelo clima” que se aproxima de uma velocidade alucinante; A outra, que são aqueles/as de classe económica desfavorecida que maioritariamente ficam na cidade, sobretudo por motivos financeiros ou laborais.

-Sobre a Raquel Pedro-

Raquel nasceu e cresceu numa aldeia em Sintra, onde firmou a sua relação com a natureza e os animais. Tocou percussão numa banda filarmónica e passou por inúmeras atividades extra-curriculares. Aos 15 anos começou a estudar artes na Escola Artística António Arroio, onde se especializou em Realização Plástica do Espetáculo e aos 21 concluiu a Licenciatura em Estudos Comparatistas - Arte e Literatura Comparada, oferecida pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Atualmente desenvolve trabalhos de ilustração e aprofunda a investigação e escrita de artigos nas áreas da literatura e arte, a partir de uma perspetiva feminista e pós-colonial.

Texto de Raquel Pedro
Ilustração de Raquel Pedro
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Março 2024

Maternidades

28 Fevereiro 2024

Crise climática – votar não chega

25 Fevereiro 2024

Arquivos privados em Portugal: uma realidade negligenciada

21 Fevereiro 2024

Cristina Branco: da música por engomar

31 Janeiro 2024

Cultura e artes em 2024: as questões essenciais

18 Janeiro 2024

Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

17 Janeiro 2024

O resto é silêncio (revisitando Bernardo Sassetti)

10 Janeiro 2024

O country queer de Orville Peck

29 Dezembro 2023

Na terra dos sonhos mora um piano que afina com a voz de Jorge Palma

25 Dezembro 2023

Dos limites do humor

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0