Desde 1969, ano em que abriu portas, o Café Dias, localizado no Alto de Santo Amaro, em Alcântara, funciona nesse mesmo bairro como ponto de encontro de diferentes pessoas e gerações, pelo que nos dias de hoje desempenha também um papel importante na relação dessas mesmas pessoas com a cultura.
“Os cafés de bairro, além do que tradicionalmente oferecem em termos de comidas e bebidas, podem e devem também assumir um papel relevante do ponto de vista social e cultural”, defende Pedro Dias, responsável pelo café desde 1 de janeiro de 2000, ano em que, com 26 anos, sucedeu ao seu pai, fundador do mesmo.
E é precisamente pelas vivências que acumulou atrás do balcão ao longo da sua infância e juventude que Pedro defende esta responsabilidade por parte de qualquer café de bairro: “Eu cresci a ver as pessoas a encontrarem-se aqui para verem a novela, os debates entre o Mário Soares e o Álvaro Cunhal, ou os jogos de futebol que passavam na televisão”, lembra. Hoje em dia, o encontro das pessoas é promovido, entre outras coisas, através de iniciativas como o “Jazz às Quintas”, que leva todas as semanas ao café um público, hoje em dia, fidelizado a esse mesmo ciclo.
“O primeiro concerto que fizemos foi em 2003, lá em baixo na cave, a propósito da reabertura do café após obras interiores de remodelação, com músicos ligados à escola do Hot Clube”, recorda. A experiência foi positiva, e, a partir daí, foram sendo realizados vários ciclos de concertos às 22 horas, que contavam com a colaboração de músicos intimamente ligados ao jazz, como os irmãos Moreira, Moisés Fernandes, Gonçalo Leonardo, entre outros.
Já em meados da última década, o ciclo regular das quintas-feiras, às 19 horas, surgiu de uma conversa informal entre Pedro e o baterista João Pereira, que, nascido em Alcântara, criou também uma relação próxima com o café e respectivo dono. “O João Pereira faz parte da mobília”, refere Pedro, que assistiu ao crescimento do baterista enquanto cliente do café a partir do balcão – contexto esse que, na sua ótica, acaba por aproximar as pessoas. “Fui acompanhando o trajeto dele desde muito novo, e quando soube que ele tinha enveredado pelo jazz de uma forma mais séria, comecei a desafiá-lo para vir cá tocar também.”
O baterista, por sua vez, atesta a importância que o café teve no seu percurso, referindo as primeiras idas em família, os concertos a que lá foi assistir, “os discos que o Paulo (um dos empregados do café) me passava”, e, com particular destaque, o facto de ter sido lá que deu o seu primeiro concerto de jazz. Estando intimamente ligado tanto ao jazz como ao próprio café, João propôs então ao dono do café experimentar por uns meses um ciclo de concertos às quintas-feiras ao final da tarde, que se mantém até aos dias de hoje, sendo apenas interrompido no verão.
Responsável pela produção e programação desse mesmo ciclo, o baterista procura um equilíbrio entre as propostas que vai recebendo e a linha orientadora que se vai criando naquela programação. “Acima de tudo, acho que quem vem cá tocar deve conhecer minimamente o espaço e saber qual o ambiente do sítio onde vem actuar.” Tendo começado com um círculo de músicos com alguma proximidade ao espaço, o alargamento da programação foi sendo feito de forma gradual, de forma a ser abrangente, mas mantendo ao mesmo tempo a coerência necessária.
Já Pedro assume a paixão que tem pelo jazz desde sempre, ao mesmo que tempo que nos explica as razões pelas quais considera que este estilo se adapta ao conceito e formato do café. “É uma música que não precisa de grande amplificação e que permite formações como duos ou trios”, explica, lembrando que o espaço não é tão grande quanto isso. Relativamente ao ciclo, e assumindo fase de crescimento que foi necessária, refere que hoje em dia está solidificado e que promove precisamente o encontro de pessoas do bairro com a cultura que o Café Dias pretende potenciar. Referindo que, de uma forma geral, o público é bastante respeitador e interessado, dá destaque também à heterogeneidade desse mesmo público, tanto a nível de gerações como de interesses: “Hoje em dia, temos uma dinâmica muito interessante, de pessoas que já eram clientes e descobriram o jazz através destes concertos, mas também de pessoas que vieram para os concertos e que se acabaram por familiarizar com o espaço.” Se em alguns concertos a afluência chega a encher a casa, o dono assume que a nível de dimensão, ambicionar mais para aquele espaço é difícil, precisamente por razões logísticas: “As coisas estão bem como estão agora, da parte que nos toca.”
A oferta cultural do Café Dias não se esgota, no entanto, no ciclo das quintas: “Queremos que, na linha da função cultural já referida, o café assuma um carácter multidisciplinar”, explica Pedro. A partir de fevereiro, haverá, nesse sentido, um ciclo de cinema documental às segundas (exclusivamente com documentários portugueses), sendo também retomado o ciclo “Poesia às terças”, cuja primeira edição aconteceu no verão de 2019. A médio/longo prazo, Pedro refere ainda a vontade de trazer a música clássica ao café aos sábados de manhã.
Inerente a todas as ideias estará, porém, o pressuposto de querer fazer as coisas de forma natural e sem pressas: “As coisas têm o seu tempo de maturação. O café existe há 50 anos, pelo que não há necessidade de se construir uma casa rapidamente, e de fazer as coisas de maneira apressada”, explica.
Descartando a procura de apoios – tem uma visão pessoal de que o investimento deve ser feito pelo próprio café, na medida do que for possível, e não através de subsídios do erário público, Pedro assume que o retorno financeiro de iniciativas como os concertos é nulo, pelo que o investimento é feito puramente pelo interesse em promover a cultura num café de bairro, para pessoas que de outra forma não estariam em contacto com as propostas que ali são feitas. Nesse sentido, volta a frisar: “Os cafés têm uma componente e um dever social. O investimento que fazemos é feito com essa ideia em mente, em prol de uma boa vivência de espaço, e ao mesmo tempo de uma vontade de fornecer cultura às pessoas.”