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Preliminares: Superclitóris

Na Revista Gerador 40, na crónica Preliminares, que agora partilhamos contigo, Marta Crawford fala-nos sobre o clitóris, que assume um papel
determinante na exposição Amor Veneris.

Texto de Redação

©Diana Mendes

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No final de 2022, foi feita mais uma descoberta significativa sobre o clitóris.

Como resultado de um estudo liderado pela Oregon Health & Science University (OHSU), foi anunciada a primeira contagem conhecida das terminações nervosas do clitóris humano, numa reunião científica da Sexual Medicine Society of North America e da International Society for Sexual Medicine. 

O resultado foi avassalador: mais 20 % de terminações nervosas do que se pensava – a referência que tínhamos até à atualidade era de cerca de 8000 fibras nervosas!

Esta descoberta foi feita por Blair Peters*, professor assistente de Cirurgia na Escola de Medicina da OHSU e cirurgião-plástico especializado em Cuidados de Afirmação de Género como parte do Programa de Saúde Transgénero da OHSU. 

A metodologia deste estudo passou por obter tecido clitoriano de sete voluntários – homens trans adultos – que se submeteram a cirurgias de reorientação sexual. Os tecidos retirados foram tingidos e ampliados mil vezes num microscópio para que as fibras nervosas individuais pudessem ser contadas com a ajuda de um software de análise de imagem.

Importa recordar que a porção visível do clitóris, designada como glande do clitóris, situada no cimo dos lábios interiores (habitualmente referidos como pequenos lábios), corresponde apenas a uma parte da totalidade da sua estrutura, localizada internamente, à semelhança de um «icebergue» – apenas em 2005, Helen O’Connell, urologista australiana, identifica a verdadeira anatomia do clitóris, num estudo que partiu da dissecação de cadáveres e ressonâncias magnéticas a pessoas com vulvas. 

É, então, em baixo da superfície que podemos encontrar o nervo dorsal (crura), o principal nervo responsável pela sensibilidade do clitóris. Os nervos dorsais são estruturas simétricas que descem do topo da haste do clitóris em ambos os lados, como um «osso da sorte».

No referido estudo, foram recolhidas «amostras de um dos lados do tecido do nervo dorsal – uma pequena quantidade retirada nos procedimentos de faloplastia. Em média foram contadas cerca de 5140 fibras nervosas em cada amostra e, sendo o nervo dorsal simétrico, a média foi multiplicada por dois para chegar a uma estimativa de 10 281 fibras nervosas. Além dos nervos principais, o autor refere ainda que o clitóris possui outros nervos menores, o que pode querer dizer que o clitóris terá ainda mais fibras nervosas não contabilizadas. «É surpreendente pensar em mais de 10 000 fibras nervosas concentradas em algo tão pequeno quanto o clitóris», disse Peters. «É particularmente surpreendente quando se compara o clitóris com outras estruturas maiores do corpo humano», nomeadamente, o pénis, que apresenta um número bastante inferior.

A investigação sobre a anatomia e o funcionamento do pénis tem sido ampla e, incompreensivelmente, a vulva e a sexualidade feminina têm sido ignoradas, provocando uma lacuna tremenda na compreensão da função sexual das pessoas com vulva.

Apesar do estudo de Peters ter como objetivo melhorar os resultados da cirurgia de faloplastia, nomeadamente a sensibilidade dos pacientes trans, a quem passa a ser possível melhor selecionar os nervos a conectar, de facto, estas descobertas vão além, permitindo desenvolver novas técnicas cirúrgicas para reparar nervos lesionados. Segundo o autor, «entender melhor o clitóris pode ajudar a todos, independentemente da identidade de género, como, por exemplo, ajudar a reduzir danos acidentais nos nervos de pacientes que se submetem a um procedimento estético conhecido como labioplastia». Reforça ainda a ideia de que a pesquisa só foi possível por causa das cirurgias de reorientação sexual de pessoas trans.

Existe muito pouca discussão à volta da importância do clitóris, e sobre o prazer sexual feminino, razão pela qual esta descoberta é tão relevante. Quantas mulheres continuo a receber no consultório, convictas de que a forma «normal» de ter prazer é através da penetração, e a ignorar o prazer que advém da estimulação do clitóris pois «foi-lhes» dito que, através do coito, deviam sentir todos os «prazeres da carne».

Na exposição Amor Veneris, o clitóris tem um papel determinante no conceito da exposição e nas opções curatoriais já que, apesar de ser o único órgão que tem como função exclusiva dar prazer, não é o único órgão sexual, como é o caso do cérebro ou da pele.

Este órgão tem sido silenciado ao longo de muitos séculos para impedir mais de metade da humanidade de ter direito e acesso ao prazer. E porque o conhecimento e a reflexão são essenciais para derrubar preconceitos e para se encontrar o caminho da realização sexual, convido-vos a visitarem a exposição Amor Veneris – Viagem ao Prazer Sexual Feminino, em exibição no Palácio Anjos até ao final de março de 2023 e a participarem no grande estudo sobre prazer sexual, disponibilizado online em Musex.pt.

Convido-vos ainda a espreitar as atividades da programação paralela, para que toda a discussão da sexualidade que estamos a provocar seja mais rica e partilhada.

*Os autores do estudo são Peters, Maria Uloko, M. D., da University of California San Diego, e E Paige Isabey, MD, da Universidade de Manitoba. Matthew D. Wood, PhD, e Daniel A. Hunter, ambos da Washington University School of Medicine.

-Sobre a Marta Crawford-

É psicóloga, sexóloga e terapeuta familiar. Apresentou programas televisivos como o AB Sexo e 100Tabus. Escreveu crónicas e publicou os livros: Sexo sem TabusViver o Sexo com Prazer e Diário sexual e conjugal de um casal. Criou o MUSEX — Museu Pedagógico do Sexo — e é autora da crónica «Preliminares» na Revista Gerador.

Texto de Marta Crawford
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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