Não sei quem sou, estou longe de sabê-lo, mas acredito que como eu não estarei só. Trouxe-me onde os meus pés cansados e sórdidos me levaram, e diante de mim, tenho o mundo. Tenho o amor de um toque de uma flor e o abraço caloroso do vento. Tenho a palavra grande e pequenina, umas reconheço bem, outras são-me totalmente estrangeiras, mas não menos me sinto em casa. Em toda a parte observo harmonia e paz, coisas que à partida são invisíveis, porém, aos olhos da poesia, tudo existe para ser escrito. A paz é nada mais do que o lugar onde me encontro. Sentada diante do mundo, pequeno e limitado como o Homem é, mas tão maior do que eu. A natureza é assim, repleta de mística e formosura; as cores mantêm-se vivas pela primavera, águas mil que em abril são banhos de sol no mar, ou longas leituras no regaço do lago que me acolhe. A música, a melodia que jamais poderá ser reproduzida por nós, o som cantante dos pássaros ao fim do dia, e os peixes que roçam e saltam e dançam de entusiasmo. Também eu o faria caso não nascesse para escrever. Talvez teria sido uma bailarina de renome nacional, mas prefiro escrever sobre o desconforto confortante que é conhecer o desconhecido e a paixão absoluta. E o amor estão presente que consigo vê-lo e senti-lo, e chego a sê-lo quando mais nada sei ser.
A ave-mãe lembra-me todas as mulheres que vieram antes de mim, e os seus bebés, todos nós que já vivemos no berço do ventre materno. E o berço da Humanidade é o que tenho diante de mim. Água e Terra, Vento e Fogo. Pois, assim, talvez, o sentimento de ecstasy poético de que falava Bolaño — por quem deveras me apaixonei — seja a harmonia que se faz sentir em toda a parte. As mães e os filhos alimentam os bichos, e os bichos paternais alimentam as suas crias. É um universo paralelo. E está tudo bem. Ambos contentam-se com a felicidade condicionada do universo animal, é uma admiração mútua que nos faz viver, relembrando a nossa insignificância, e a nossa magnitude. A ave-mãe e as suas crias exploram como eu, observando cuidadosamente, sorrindo, o meio que nos envolve. E são tantas as fotografias que aguardam a memória, tantas as histórias por contar, e quantas não guardará este lugar. Eu tenho as minhas, escrevo-as a seu tempo, enquanto o tempo corre, porque sei que tudo passa. E o que está escrito nunca morre. Certamente, nunca morre. Mas tudo me recorda a efemeridade da vida, e a sua exaustiva fragilidade. Bem sei o quanto a vida é frágil. Tudo diante de mim, este belo e grandioso lugar em que me encontro, brevemente, é evidente, de uma maneira ou de outra, desaparecer-me-á. E não há nada que possa fazer. Acredito que é a natureza que dita as leis universais, ela sabe quem sou mais do que eu mesma. Saber isso é tranquilizante. E se pudesse, esconder-me-ia à sombra de uma azinheira e aí ficaria a cravar a minha histórias nas raízes. Se bem que o dia chegará e eu serei as próprias raízes da azinheira. Se assim for, sei eternamente feliz.
Os passos que dou são apenas o começo do epílogo, e o lugar magistral onde me encontro é o preditor de um grande romance. Quero acreditar que nada ficará por dizer, que todos os caminhos serão explorados, e que o sol nunca se irá pôr. Mas tal não pode ser verdade, iria contra todos os princípios da natureza, e toda a misticidade terá de continuar sem mim — eu não sei quem sou, nem o que farei de mim, estou aqui, hoje e agora, sem querer pôr um fim ao meu descanso, à paz que é este lugar, à harmonia diante do meu olhar; o caos que não tarda chegará, tão certo quanto o anoitecer.