

“But secretly I knew I had been transformed, moved by the revelation that human beings create art, that to be an artist was to see what others could not.”
― Patti Smith, Just Kids
O livro “Apenas Miúdos” da artista Patti Smith é um relato de uma relação tumultuosa, onde a exploração da sexualidade, da religião, e da arte se fundem. Perante a descrição crua e comovente do livro, é impossível ficar indiferente ao retrato da precariedade artística, em que a fome pela criação de arte é, ironicamente, aquilo que a alimenta. Será normal que, após tantos anos de inovação e evolução, a precariedade da vida dos artistas continue prevalente? Quando ponderei seguir uma carreira no mundo da Literatura, não tive coragem de enfrentar o que seria uma vida dura e difícil, pelo que acabei por optar pelas Ciências, abdicando das Artes. Desde cedo que a cultura se tem assumido como secundária nas nossas vidas, apesar de, muitas vezes, ser aquilo que nos move e comove enquanto seres pensadores e irrequietos.
Se a vida de um artista é precária, é porque a sociedade (e quem a governa) não dá valor às suas obras. Durante uma conversa no festival Oeiras Ignição Gerador, surgiu uma tese proposta por Martim Sousa Tavares: um evento cultural tem como adquirido um estatuto de “luxo” por ser raro e por ser mais acessível a um certo tipo de público, dotado de mais educação e possibilidades económicas. Por exemplo, a ideia de que uma simples ida ao teatro requer um certo tipo de roupa, é um entrave à própria ida, uma vez que deixa um sentimento de desadequação à forma como nos apresentamos. A notícia do encerramento antecipado da Feira do Livro pelos festejos do futebol mostra com clareza que a perceção das autoridades sobre a prioridade da sociedade é que a cultura é secundária a outras formas de lazer. Esta perceção que se encontra enraizada na nossa sociedade é perigosa (porque pode levar à extinção da cultura) e cabe a nós, jovens, desconstruir esta ideia.
Paralelamente, em Dublin, onde vivi este último ano, a cultura é encarada como uma certeza da vida, e não um luxo. Vêem-se mais pessoas (jovens incluídos) a ler no autocarro/metro; a ida semanal ao teatro é economicamente mais acessível do que ir jantar fora; as ruas recebem talento e vontade de jovens músicos, e os festivais de cultura existem em massa pelo país fora. O consumo da cultura na Irlanda é desmedido, e com esse ecossistema que promove a cultura nas ruas, há cada vez mais artistas que florescem e crescem, alimentando o vício dos irlandeses. Com música ao vivo nos pubs há oportunidades para artistas jovens se estrearem e conviverem uns com os outros. Não foi por acaso que me encontrei num pub que dispõe de quadros nas paredes estilo galeria, onde conheci um escritor, um pintor e um músico jazz- é a norma numa cidade como esta, que vive da arte. Embriagada com a cultura e inspirada pela cidade, refleti sobre o estado em Portugal. Será que nos faltam as histórias ou a vontade de as contar? Não temos talento? Não temos criatividade e artistas? Não faz sentido. O que não temos são os meios reunidos para que o público usufrua a cultura e para que o artista se sinta seguro em a produzir. Se um país com 5 milhões de pessoas consegue viver a cultura e economizá-la, nós, com 10 milhões, também devemos ter condições para o fazer.
A narrativa elitista da cultura não existe porque assim o queremos. Ela está enraizada na nossa forma de ser e na forma com que os decisores políticos a encaram. Não é por vontade dos portugueses (que efetivamente até têm interesse em consumir), é pelas barreiras financeiras, pelas lacunas na educação, pela falta de informação disponível ou mesmo para evitar uma imagem de superioridade que projeta aos outros. Somos nós, jovens e agentes consumidores da arte, que devemos partilhar os inúmeros benefícios da cultura, lutando para que haja maior atenção e investimento. Ser apreciador daquilo que nos toca e que nos faz sentir não é um luxo, e não é para uma elite, é para todos nós.