fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Bem Comer: Alarvice número 8

“Pantagruélisme, vous entendez que c’est une certaine gaîté d’esprit confite dans le mépris des choses…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

“Pantagruélisme, vous entendez que c’est une certaine gaîté d'esprit confite dans le mépris des choses fortuites”.

François Rabelais, quando escreveu a sua obra-prima satírica em cinco volumes “Gargântua e Pantagruel” começa por enfatizar um lado cómico que associa o gigantismo ao grotesco e à desmesura da quantidade necessária de materiais (para comer ou para vestir, por exemplo). Para numa segunda fase incorporar uma dimensão crítica da sociedade que se assume como um ideal humanista de expressão renascentista.

Era grande médico e grande erudito, homem do Renascimento, mestre de ciência e de cultura que falava e escrevia fluentemente seis línguas e que influenciou de forma muito importante a produção literária francesa (e não só) que lhe sucedeu, desde Molière e Racine a Balzac e a Anatole France.

O seu Pantagruel come desmesuradamente. É um gigante, come e bebe “à farta” para alimentar o seu corpo gigantesco. Se todos fôssemos gigantes não se notaria a brutalidade de Pantagruel. Éramos todos como ele, à mesa e noutros aspetos…

Nesta questão da potencial “alarvice”, para além da medida absoluta do que se come, pondere-se antes quem come e em que circunstâncias de espaço, tempo, ocupação e idade.

“Comer como um lobo” é normal para quem despende atividade física extrema em idade jovem. Nem tanto assim para quem passa a vida sentado e terá mais de sessenta anos.

Depois de um percurso a pé de muitas horas no deserto de sal de Bonneville (Utah) é normal o atleta, completamente desidratado, beber cinco litros de água quando chega à meta.  É “normal” nestas circunstâncias.  O que não significa pedir ao balcão de algum café, em Lisboa ou no Porto, um balde cheio de água sempre que se tem sede.

Desta forma a verdadeira “alarvice“ terá de se separar dos comportamentos provocados por circunstâncias extremas.

E porque haverá quem ache que só é “alarve” quem “ataca” no porco, leitão, cabidela ou mão-de-vaca, aqui deixo uma grande “alarvice” cometida à base de… salada.

Meu tio José (tio por afinidade) era lavrador e homem de meios. Tratavam-no por Zezinho, apesar dos seus sessenta e alguns anos, exatamente por ser pessoa de avultados cabedais para um meio pequeno de aldeia da Beira. Quem tinha merecimento levava – e ainda acho que leva - o acrescentar do “inho” na forma de tratamento.

Naquela zona do país a refeição do meio (dia) ou é pública e aberta - a quem passa, aos trabalhadores, família e amigos - ou então é privada, uma coisa entre o casal dono da casa, homem e a mulher. Raramente existem meios termos.

No campo, quem se levanta com as galinhas almoça às 12h, janta às 19h e deita-se pelas 21h…

A cortesia manda evitar visitar a essas horas sem ser expressamente convidado, porque a hospitalidade de quem está à mesa obriga de imediato a partilhar.

Todavia, um certo dia apareci à moda de Lisboa (onde se almoça mais tarde) em casa de meu tio Zezinho ao bater das 12 horas. Uma ignorância de rapaz da cidade. Ia pedir emprestado um “motor de curar as vinhas” para essa tarde.

Estava o meu tio à mesa com um grande alguidar de barro à sua frente, onde víamos alface, tomate e cebola.  Materiais que ia temperando com a almotolia do seu azeite, vinagre do seu vinho e sal (esse não era lá da quinta).

Ao ver-me mandou logo que me sentasse para partilhar da refeição.

A tia vinha da cozinha com um tacho de febras e uma travessa de batatas cozidas e ao aliviar a carga em cima da mesa tratou logo de acrescentar mais um prato na toalha, apesar dos meus protestos.

Pediu então licença para ir tratar da salada. O que estranhei ao ver o alguidar já ali plantado.

Percebi então que o tio Zezinho comia, todos os dias e enquanto houvesse material na horta, um alguidar daqueles de salada a cada refeição.  Dizia com orgulho que eram três ou quatro tomates verdes, uma alface e meia de bom tamanho e duas cebolas pequenas (porque eram mais doces).

Fora o “conduto” habitual, está claro. As febrazinhas com as batatinhas naquela ocasião.

Na opinião dele era essa “dieta” que lhe permitia ter ainda vigor naquela idade para acompanhar os trabalhadores da quinta, passo a passo, com uma enxada na mão.

Uma história dos anos 80 do século passado. Altura em que o clamor por opções vegan ainda não era nascido.

Esqueci-me de referir que o meu tio Zezinho também diariamente dava conta da maior parte de um garrafão de 5 litros do vinho feito em sua casa.

Como vinho não é salada não terá tanta graça…

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

Se queres ler mais crónicas do Bem Comer, clica aqui.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Março 2024

Maternidades

28 Fevereiro 2024

Crise climática – votar não chega

26 Fevereiro 2024

Os algoritmos em que nós podemos (des)confiar

25 Fevereiro 2024

Arquivos privados em Portugal: uma realidade negligenciada

21 Fevereiro 2024

Cristina Branco: da música por engomar

31 Janeiro 2024

Cultura e artes em 2024: as questões essenciais

18 Janeiro 2024

Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

17 Janeiro 2024

O resto é silêncio (revisitando Bernardo Sassetti)

10 Janeiro 2024

O country queer de Orville Peck

29 Dezembro 2023

Na terra dos sonhos mora um piano que afina com a voz de Jorge Palma

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0