Manda a tradição portuguesa que no Natal se coma peru? Não é bem assim. Em certas regiões é o lombo de porco alentejano, noutras o cabrito, noutras ainda o capão.
A mania do peru foi importada dos Estados Unidos, país onde a ave em causa faz parte do menu obrigatório do Dia de Ação de Graças, feriado nacional comemorado na 5ªFeira da última semana de Novembro.
Claro que a origem do peru doméstico é norte-americana, pelo que se entende que a ave selvagem faria parte da dieta dos ameríndios. Foi mais tarde importado pelos espanhóis para a Europa, onde entrou no século XVI.
Nos dias de hoje um peru comprado nos nossos supermercados pouco mais é do que um “hamburger com penas”, uma carcaça branco-azulada engordada com rações, vivendo em compartimentos onde não se pode mexer para engordar mais depressa…
Agora imaginem que lhes calhava assar um peru criado em liberdade, em casa, a comer couves e alfaces tenrinhas e muito milho dado à mão, sempre a andar pelo chão e a picar o que lá encontrava…
Onde é que isto se encontra?
Quem tem quinta na terra (com familiares vivos e atuantes) está salvo. Quem não tem pode sempre comprar um peru preto de criação biológica. Perto de Montemor está a herdade do Freixo-do-Meio. Apostem numa ida e vejam antes de se decidirem. São quatro vezes mais caros do que os de aviário. Mas valem bem a pena.
Quando o animal está vivo e cantante dá mais trabalho. Já por aí passei, anos a fio, na nossa quinta da Beira Alta.
O trabalho começava 2 dias antes, com o embebedar da alimária com bom bagaço, seguido da “liquidação” propriamente dita, o depenanço , o limpar da carcaça retirando o pescoço, fígado e coração para fazer o arroz, e o mergulho em largo alguidar de barro (o mesmo da matança do porco, onde se adubavam os paios do lombo) com água, 1 garrafa de vinho branco, duas mãos de sal grosso e rodelas de muitas laranjas e limões.
Passado um dia e meio o peru era tirado da água, bem escorrido e barrado com uma pasta feita de alho esmagado, massa de pimentão, uma mão cheia de sal, grãos de pimenta preta, um copo alto de vinho do Porto e azeite. E no bucho enfiávamos um limão cortado ao meio. E ficava assim do meio-dia do dia 24 até à manhã do dia 25 de Dezembro.
Para quem nunca viu (nem comeu) um peru criado em liberdade, em casa, sempre lhes digo que a carne é bem mais firme e de tom mais escuro, mesmo a do peito, e abundam as bolhinhas de gordura à flor da pele. Como “contra” (se assim o considerarmos) as pernas são mais rijas e possuem tendões que mais parecem esticadores de aço…haja dentes…
Para quem comprar o peru já arranjado a receita é semelhante. Depois do “banho de imersão” obrigatório a ave é barrada com a pasta referida atrás.
À parte, partimos para outra tigela 250g de pão alentejano de trigo em bocados, que se envolve em 3 ou 4 ovos inteiros. Juntamos 150 g de presunto cortado em pedacinhos, um patê de foie gras que tenha pelo menos um "arremedo" de trufas, os miúdos que foram alourados em azeite, picados ou partidos finos . Mexam bem com o molho que ficou na frigideira de alourar os miúdos, de forma a ficar um preparado homogéneo.
Enche-se o peito do peru com este preparado, calcando para que fique bem cheio, e fecha-se a abertura com agulha e linha.
Vai ao forno quente por umas 2 horas a 2 horas e meia. Na altura de tirar deve ser "apresentado" a uma corrente de ar fria para se "constipar", ficando a pele crocante.
Costumo acompanhar este Peru com batatas fritas aos cubos e grelos salteados de nabo.
Mesmo que o sabor final não seja entusiasmante para gastrónomos exigentes caso utilizem o peru de aviário, ajuda muito se o acompanharmos com um daqueles Tintos "à maneira"!
Três opções de lamber os beiços:
- Quinta da Leda 2011. Um magnífico Tinto do Douro de um ano excecional. Cerca de 37 euros...
- Dão Quinta da Pellada , Álvaro Crasto, 2011. Idem, idem para o Dão, cerca de 28 euros.
- Quinta do Mouro Tinto de 2009, um grande alentejano de Estremoz. Custará cerca de 35 euros.
Manuel Luar