Na crónica de hoje, decidi enumerar alguns erros comuns relacionados com o emprego de certos verbos ou formas verbais. Venham daí!
desfrutar ou disfrutar?
A forma correta é desfrutar.
O verbo desfrutar é formado pelo prefixo des-, mais o nome fruto e o sufixo -ar.
Um dos seus significados é “usufruir”, e o verbo pode ser usado com ou sem a preposição de.
Desfruta d(a) leitura, então!
encontrarmo-nos ou encontrarmos-nos?
A forma correta é encontrarmo-nos.
A primeira pessoa do plural do infinitivo flexionado é encontrarmos. Quando a terminação -mos é seguida do clítico nos, o “s” da primeira pessoa do plural cai. Dada a homofonia entre as duas terminações, a língua encontrou uma forma de as distinguir – “dissimilação das sílabas parafónicas” (cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Ed. João Sá da Costa, 1996, p. 318).
Hades ou hás de?
Hades só no Inferno!
*há-des! quem nunca ouviu?! Mas se eu hei de…? Ah! Sim… tu hás de...! Esta, sim, é a forma correta.
Hás de é a segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver com a preposição de. Neste caso, o verbo haver funciona como auxiliar e é conjugado em todas as pessoas, significando “ser obrigado a; pretender; desejar".
Ora, Hades existe, é bem verdade, mas é o nome de um deus grego, o deus do Inferno, do mundo inferior ou dos mortos.
Vamos lá conjugar:
Eu hei de: Um dia hei de conseguir.
Tu hás de: Um dia hás de conseguir.
Ele há de: Um dia há de conseguir.
Segundo a nova ortografia, as formas flexionadas (hei de, hás de, há de...) deixam de ser hifenizadas.
interveio ou interviu?
A forma correta é interveio. O verbo intervir é formado a partir do verbo vir (inter + vir) e comporta-se como este verbo em todas as situações.
inter + vim
inter + vieste
inter + veio
inter + viemos
inter + viestes
inter + vieram
Para conjugar o verbo intervir, devemos usar o verbo vir, e não o verbo ver.
ouvido ou ouvisto?
Ouvido! Ouvisto é que não!
Há muita gente que deixa escapar o seguinte erro: tenho *ouvisto.
Ouvisto por ouvido é o produto do particípio de ver (visto) sobre ouvir (ouvido).
Digamos corretamente:
Já tenho ouvido (não ouvisto) dizer desta forma!
O particípio passado do verbo ouvir é ouvido.
O particípio passado do verbo ver é visto.
ter a ver com ou ter que ver com?
Será que a expressão ter a ver com é correta? Estamos perante uma expressão muito usada pelos falantes portugueses e muito frequente na comunicação social, pelo que já ninguém a estranha! Esta expressão, de influência marcadamente francesa, encontra-se de tal forma generalizada que já vem sendo aceite por muitos gramáticos.
Acontece que a expressão mais antiga, e considerada mais correta do ponto de vista linguístico, é ter que ver.
De uso já consagrado, a expressão ter a ver é aceite, mas em bom português, o ideal seria ter que ver.
E é assim. Apesar disto não ter nada que ver com esta resposta, o que não deve mesmo acontecer é confundir o ter a ver (ter relação com; dizer respeito a) com ter a haver (ter a receber), certo? E assim continuamos a afiar a língua!