Este episódio alarve foi presenciado por mim.
Estávamos num tempo de vacas magras neste antigo país, de aperto de cinto à moda da troika. E, porventura para distrair da crise, havia quem inventasse “estórias “estranhas.
Não existia ainda a CM-TV, mas a imprensa escrita tentava suprir essa deficiência “avant la lettre” publicando de quando em vez as tais esquisitices. Entre elas o potencial avistamento” do “crocodilo do rio Zêzere”, assunto que em retrospetiva lembrava o mais antigo “caso” do “leão de Rio Maior
O que agora relato tem a ver com o “crocodilo do Zêzere” que teria sido avistado perto da albufeira de Castelo de Bode, segundo diversos periódicos.
O episódio passou-se na quintarola de um bom amigo, proprietário de talho e matadouro na região de Tomar e produtor de vinho. Estávamos convidados para a abertura do vinho do ano, acompanhando um monumental cozido à portuguesa.
As “entradas” deste almoço campestre foram maranhos e bucho recheado.
Depois do cozido, e como eram já horas do lanche, grelharam-se febras sem que nos tivéssemos levantado da mesa - a não ser para as “precisões”.
Eram já quase sete da tarde – que era de primavera tardia e magnífica – quando começaram a provar-se os digestivos.
E foi nessa altura que aconteceu o imprevisto.
Levávamos quase seis horas de comida e de bebida, praticamente ininterruptas, o que obviamente explica muita coisa. Uma verdadeira desbunda.
A quinta bordejava o Zêzere e tínhamos almoçado ao ar livre, num alpendre com vista para o rio. Dois convidados locais, conhecidos pela grande afeição pela parte líquida das refeições, acharam que estava mais uma vez na altura de mudarem a água das azeitonas. Mas ao invés de irem para dentro de casa, decidiram que ali virados para o Zêzere é que o assunto se devia tratar.
Pediram licença, afastaram-se uns bons vinte metros do alpendre na direção da margem altaneira e vai de repuxar para baixo.
A conversa que se ouviu (aos berros e depois do ato natural), terá sido mais ou menos assim – admitindo eu uma certa liberdade poética na confeção deste prato:
- “Compadre Zeca vamos dar uma volta a pé ali até ao lago."
- “Compadre Mira, está-me mas é a apetecer pôr os cornos na palha e passar a cadela. Mas está bem, deito-me lá ao pé do lago"
- “Ó Compadre Zeca! Ó Compadre Zeca! Acorde vossemecê que está pr'á li um coiso, um corco, um cricor, um croqui...quero dizer um jacaré!"
-“Han? Um quê Compadre Mira? Um croqui? Um jacaré? !
- “Tá sim compadre, tem mais de 1 metro! Tem uns dois metros. Quase quatro!"
- “O compadre não pode beber o que bebeu! Estou farto de lhe dizer que ainda apanha uma “cicrose” à conta dos ovos batidos com açúcar e bagaço ao pequeno almoço!
- “Ó compadre Zeca olhe que eu não estou grosso! Estar estou, mas agora fiquei bem que ver o bicho até me espantou a cadela!"
- “Olha, Olha, tem o Compadre Mira razão que eu também estou a ver! Mas não é um croco, um corco, ... “da-se” que não me sai! Prontos um ...jacaré. A mim parece-me um lagarto!"
– “Daquele tamanho compadre? Quem não pode beber é vossemecê que fica logo a ver tudo mais reduzido. Por isso é que molhou as calças! Se bebesse mais um whisky via uma lagartixa!”
Final da história: ninguém conseguiu corroborar o avistamento. A lentidão com que nos aproximámos do evento foi notória, era difícil levantar das cadeiras. E quando chegámos ao local já não se via nada.
Mas ainda hoje os amigos Zé e Mira juram que viram o que viram.
Seria decerto sugestão provocada pela discussão ao almoço, que depois dos futebóis e de dizer mal do governo tinha acabado a dissecar essa “notícia”.
A única coisa que pode dar algum alento a esta miragem foi o facto (soubemos depois) da GNR ter sido observada perto do local com uma viatura que tinha um barco “zebro” atrelado. Caso inédito, segundo os indígenas.
Porquê? “Vigilância da Albufeira”, foi a resposta.