Uma coisa parece-me certa: da observação que venho fazendo da malta mais dada ao desporto dos “comes e bebes”, acho que um verdadeiro profissional da bebida – daqueles que começa e acaba o seu dia a beber - come pouco, e terá tendência a ter um aspeto físico mais “alongado e ressequido”; enquanto que um outro cidadão muito dado a “secos” mas sem desprezar os “molhados”, e que é capaz de nunca ingerir álcool entre as refeições, pode ser - e normalmente é - mais nutrido, mais “gordo”.
A pessoa que mais me impressionou a beber foi uma mulher. A esposa de um riquíssimo senhor alemão, grande conhecedor de vinhos, enólogo, proprietário de muitas quintas e produtor de grandes marcas na Alemanha, em Portugal (Douro) , no Chile e em Espanha.
Essa senhora – que quando a conheci teria 40 e picos anos, e muito boa figura, alta e bem constituída – começava o jantar com uma garrafa de champagne Dom Pérignon, continuava com uma de tinto Barca Velha, ia por ali acima com meia de Porto Vintage com o queijo (o marido que a acompanhava , garrafa a garrafa, bebia a outra metade) e nunca se retiravam ambos sem ”aviar” um balão de Aguardente Velha Ramos Pinto cada um!
Ela e o marido tinham contas “interessantes” no restaurante da sua predileção, algo como pagarem por um desses jantares pantagruélicos 20 contos de vinho e 4 contos de comida… E isto no tempo dos “contos de réis”, lá para 78!
Quando um Assistente Universitário (moi!) ganhava 12 continhos por mês…. Eram dois meses de ordenado gastos em duas ou três horitas.
Num registo mais popular e proletário, também tive ocasião de confraternizar com um colega do Judo do Estoril que tinha por alcunha o “Marabunta”. Magro e baixote, era temível à mesa. Quando estávamos na Feira Popular, a festejar a vitória num dos nossos campeonatos nacionais por equipas, cheguei a vê-lo comer 2 frangos assados inteiros com largas doses de batata frita (porque só frango o enjoava) à compita com outro colega. Devo dizer que, para o volume do corpo, foi este o maior comedor que conheci. Raça e génio em 1,65 m de altura e uns magros, mas musculados, 68 kg!
Agora, se quisermos eleger o campeão olímpico da “farta-brutança” de todas as categorias de peso, essa distinção – na minha experiência – deve ir para o Sr. Casinhas dos Mármores de Negrais, já aqui citado, ex-aequo com o Sr. Visser, comerciante em Dordrecht (Países Baixos) e o meu amigo Sr. Rainha que aqui igualmente já referi.
Nem de propósito um pódio para três. Os três senhores tinham corpos semelhantes, quase tão largos como altos, cerca de 140 Kg para 1,85 m.
E comiam e bebiam desalmadamente! A um deles vi comer uma leitoa inteira sozinho, e da mesma forma presenciei em primeira mão como o holandês consumia rapidamente à laia de “entradinha”, um salmão fumado completo, da cabeça ao rabo (e não era pequeno)!
O meu amigo Rainha estava numa categoria à parte que tinha de ser criada apenas para ele. Não só exibia um apetite de autêntico “alarve” como depois, na sua prática diária, era um tremendo conhecedor e epicurista na mesa, sabia tudo ou quase tudo de vinhos e de azeites (sobretudo Douro e Trás-os-Montes, de onde era nativo), e tinha uma conversa agradabilíssima.
Era representante de vendas em Portugal de uma grande companhia alemã de produtos químicos e farmacêuticos. Muitas vezes recebia em Portugal os “patrões” e como não queria que o vissem comer da forma habitual e desmesurada, costumava chegar cedo ao restaurante e pedir logo “um preguinho”. Esse “preguinho” era um pão de Mafra de um quilo com um bife de 500 gramas lá dentro. Mas grelhado e malpassado, para não ser muito “pesado” …
Assim já consolado, podia fazer figura junto dos alemães à roda de um peixe assado no forno, sem dar nas vistas.
E nessas ocasiões era habitual ouvi-lo dizer (em inglês): “tenho este corpanzil, mas não como nada de especial… É a genética…”
Um autêntico “gourmet” dentro do corpo de um bom gigante, cuja memória aqui evoco com muita saudade.